São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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Crime sem castigo

Cientista político americano examina aumento da trapaça e da impunidade na sociedade

ANGELA PIMENTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Na terra do Tio Sam, o crime tem compensado. Independente de classe social, faixa etária ou sexo, um número crescente de americanos trapaceia no trabalho, na escola e até para preencher a declaração do Imposto de Renda. Tal diagnóstico pertence ao cientista político David Callahan, autor do livro "The Cheating Culture - Why More Americans Are Doing Wrong to Get Ahead" (A Cultura da Trapaça - Por que Mais Americanos Estão Fazendo a Coisa Errada para Passar na Frente, Harcourt Press, 335 págs., US$ 26), lançado nos EUA.
Doutorado pela prestigiada Princeton University, Callahan falou à Folha sobre as causas, conseqüências e possíveis soluções para o fenômeno, que disseca com uma apuração cuidadosa, respaldada por estatísticas.
 

Folha - Por que os americanos estão trapaceando mais?
David Callahan -
Por várias razões. A primeira é que as recompensas são muito maiores para os vencedores do que para a média das pessoas. Grandes estrelas do esporte podem ganhar US$ 15 milhões por ano só em salário, enquanto seus reservas ganham em média US$ 300 mil, além de não faturarem contratos de publicidade. Isso é um grande incentivo para que atletas tomem esteróides para melhorar a performance, e o número de atletas que tomam essas drogas cresceu muito nos últimos anos. Essa grande discrepância entre as superestrelas e as pessoas comuns acontece nos esportes, no mundo dos negócios, nas universidades. Portanto as pessoas estão fazendo o que for preciso, até trapacear, para chegar ao topo. Estatísticas mostram que metade dos currículos enviados por candidatos a empregos contêm mentiras, que 80% dos universitários americanos que tiram as notas mais altas admitem já terem colado e que, a cada ano, empresas americanas perdem cerca de US$ 600 bilhões em furtos cometidos por seus funcionários.

Folha - Mas quem é pego trapaceando não paga caro?
Callahan -
Infelizmente, o cumprimento da lei tem relaxado nos últimos anos nos EUA, de maneira que está ficando mais difícil multar e condenar infratores. Dados do próprio governo americano estimam que a sonegação fiscal no país alcança US$ 250 bilhões anualmente. Em razão dos cortes de custos, órgãos como a receita federal americana não conseguem denunciar e processar a maioria dos infratores. E as pessoas, percebendo que não serão punidas, passam a sonegar ainda mais. O mesmo acontece em Wall Street. A SEC [Comissão de Valores Mobiliários] tem dificuldades em processar as corporações que mentem sobre seus ganhos e fraudam investidores. A mensagem disso tudo é negativa: "Se todos fazem, por que eu não posso?".


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