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Crime sem castigo
Cientista político americano examina aumento da trapaça
e da impunidade na sociedade
ANGELA PIMENTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM NOVA YORK
Na terra do Tio Sam, o crime
tem compensado. Independente
de classe social, faixa etária ou sexo, um número crescente de americanos trapaceia no trabalho, na
escola e até para preencher a declaração do Imposto de Renda.
Tal diagnóstico pertence ao cientista político David Callahan, autor do livro "The Cheating Culture - Why More Americans Are
Doing Wrong to Get Ahead" (A
Cultura da Trapaça - Por que
Mais Americanos Estão Fazendo
a Coisa Errada para Passar na
Frente, Harcourt Press, 335 págs.,
US$ 26), lançado nos EUA.
Doutorado pela prestigiada
Princeton University, Callahan falou à Folha sobre as causas, conseqüências e possíveis soluções
para o fenômeno, que disseca
com uma apuração cuidadosa,
respaldada por estatísticas.
Folha - Por que os americanos estão trapaceando mais?
David Callahan - Por várias razões. A primeira é que as recompensas são muito maiores para os
vencedores do que para a média
das pessoas. Grandes estrelas do
esporte podem ganhar US$ 15 milhões por ano só em salário, enquanto seus reservas ganham em
média US$ 300 mil, além de não
faturarem contratos de publicidade. Isso é um grande incentivo para que atletas tomem esteróides
para melhorar a performance, e o
número de atletas que tomam essas drogas cresceu muito nos últimos anos. Essa grande discrepância entre as superestrelas e as pessoas comuns acontece nos esportes, no mundo dos negócios, nas
universidades. Portanto as pessoas estão fazendo o que for preciso, até trapacear, para chegar ao
topo. Estatísticas mostram que
metade dos currículos enviados
por candidatos a empregos contêm mentiras, que 80% dos universitários americanos que tiram
as notas mais altas admitem já terem colado e que, a cada ano, empresas americanas perdem cerca
de US$ 600 bilhões em furtos cometidos por seus funcionários.
Folha - Mas quem é pego trapaceando não paga caro?
Callahan - Infelizmente, o cumprimento da lei tem relaxado nos
últimos anos nos EUA, de maneira que está ficando mais difícil
multar e condenar infratores. Dados do próprio governo americano estimam que a sonegação fiscal no país alcança US$ 250 bilhões anualmente. Em razão dos
cortes de custos, órgãos como a
receita federal americana não
conseguem denunciar e processar
a maioria dos infratores. E as pessoas, percebendo que não serão
punidas, passam a sonegar ainda
mais. O mesmo acontece em Wall
Street. A SEC [Comissão de Valores Mobiliários] tem dificuldades
em processar as corporações que
mentem sobre seus ganhos e fraudam investidores. A mensagem
disso tudo é negativa: "Se todos
fazem, por que eu não posso?".
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