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CECILIA GIANNETTI
Big Book Brasil
Cada participante deveria produzir um conto ou um romance em frente à câmera; a casa era uma réplica da ABL
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UM INESPERADO aumento dos
índices de leitura no país refletiu sobre a TV aberta nacional na forma de uma queda inédita de ibope -de repente, o povo brasileiro começou a ler insaciavelmente e simplesmente parou de ver televisão. Afogados em números vermelhos, fumando sob sinais de "Não
Fume" nas sedes das principais redes de TV, os diretores de programação concluíram que só havia uma
saída: a reformulação drástica de
suas grades.
No começo, mudanças discretas,
reprises de "Meu Pé de Laranja Lima" e "Sítio do Pica-Pau Amarelo".
Mas o público não se deixava mais
impressionar tão facilmente. Os diretores -ainda fumando desbragadamente- precisavam ousar. Aí vieram adaptações do premiado "Eles
Eram Muitos Cavalos", de Ruffato, e
de toda a obra de Marçal Aquino e
Ferréz no "Caso Verdade".
Nossos elevados padrões causaram inveja entre eruditos na Europa
-especialmente os franceses, que
tornaram a atear fogo em carros, bicicletas e velocípedes, indignadíssimos com seu recém-adquirido complexo de inferioridade em relação ao
Brasil.
Foi quando estreou o "Big Book
Brasil", maior inovação da televisão
intelectualizada. Cada participante
deveria produzir um conto ou um
romance na frente das câmeras; todos confinados na casa-réplica da
Academia Brasileira de Letras (com
piscina).
A primeira prova decidiu quem
escreveria o quê: houve contista que
deu azar de pegar romance e romancista obrigado a aprender a arte do
"fazer curtinho". O prêmio para o
vencedor seria a publicação de sua
obra -em capa dura.
Uma mocinha da internet e um
crítico literário entraram no BBB
"pela janela". Graças a um sorteio,
Márcia Moreira (a M@rSil) chegou
humildezinha com seu laptop quando os participantes mais cultos já estavam instalados na casa.
Ela não escondeu o desconforto
ao ser chamada de "blogueira" pelo
crítico literário, que fora escolhido
por ser amigo do diretor do programa. "O problema, Bial, é que o crítico fala como se eu fosse analfabeta.
Tenho meu sonho desde que fiz meu
primeiro "post". Sempre quis escrever um livro. Ele, não! Passou a vida
resenhando livro dos outros e agora
quer sair do armário na TV. É um
frustrado!"
Sonia Sanja (poeta de São João do
Meriti) e Pedro Thiago (o que psicografava) viviam juntos sob o edredom. Mas quem chocou mesmo o
Brasil foi o crítico literário. Em rede
nacional, teve seu primeiro bloqueio
de escritor, ao tentar escrever ficção.
De roupão, em posição fetal no confessionário, chorou muito e orou a
Deus.
Seu psicanalista, que tinha assinado o "pay-per-view", comentou nas
revistas de fofoca: "Ele não crê em
nada, muito menos em Deus. Tá fazendo tipo".
Na praia, sempre reluzindo com
bronzeador de urucum, espeto de
queijo coalho numa das mãos, noutra a cerveja, nosso povo ufanava-se
de boca cheia do "Big Book Brasil":
"Librum lego. Littera sacra est; liber
sacer, templum sacrum!". E em latim, pra tirar onda.
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