São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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IMAGEM
Fotografias de Rogério Assis tiradas quando passou três meses na ilha são expostas em galeria em Berlim
Mostra traz Cuba que Cuba não quer ver

FERNANDO OLIVA
da Redação

O grande mérito das imagens feitas pelo fotógrafo brasileiro Rogério Assis em Cuba é registrar o doloroso ponto de inflexão na história recente da ilha, o momento em que se consumava, no dia-a-dia da cidade, o fim da ajuda financeira vinda da ex-União Soviética.
Registro em preto-e-branco da decadência do país e do desespero de seu povo, parte dessas fotos (21, dentre as quase 1.500 que ele bateu) chega agora a Berlim, depois de correr o mundo distribuída pela agência paulistana Angular -publicada, entre outras, pela revista italiana "Sette" (suplemento dominical do "Corriere de la Sierra"), a francesa "Reporter" e a "Interview" espanhola, além de "Veja".
Assis, que hoje é fotógrafo free-lancer em Nova York, morou em Cuba durante três meses em meados de 1992 para compor a série.
Época em que cada pessoa tinha direito a comprar, por mês, 2,5 kg de arroz, meio quilo de feijão, cerca de 250 gramas de café mesclado e meio sabonete. Na época com 27 anos, ele não entrou em Cuba se apresentando como fotojornalista. Alertado por colegas de profissão, disse que era estudante.
Sua coragem valeu a pena. Assis conseguiu, por exemplo, uma das primeiras imagens de uma favela cubana a ser divulgada em larga escala pela imprensa.
São, claramente, retratos "roubados", de atividades e situações que não correspondem exatamente à imagem de sucesso e bem-estar que o regime castrista gostaria de passar ao mundo.
Como a florescência, com o agravamento da crise econômica, do transporte feito por charretes. Ou a prostituição, prática proibida, em plena rua de Havana.
Ou ainda a foto de um cubano que monta, a céu aberto, um mercado negro de hambúrgueres -à época, se descoberto por um dos CDRs (Comitês de Defesa da Revolução) que atuam em Cuba, o vendedor poderia ser acusado de "inimigo da revolução", considerado ainda o maior crime no país.
Mas nem os CDRs nem a polícia da ilha impediu Assis de fazer o seu trabalho. "A não ser dos abrigos antiaéreos construídos por Fidel na ilha, espécies de trincheiras enormes próximas a Havana."
Hospedado em casa de cubanos, circulando de bicicleta, ele fotografou, além de Havana, as províncias de Santa Clata, Pinar del Rio, Matanzas, Trinidad e Sienfuegos.
A série, que já foi exposta em São Paulo em 1994, foi recebida na Alemanha em local inusitado: um ex-armazém da colônia judaica que, abandonado desde 1909, foi invadido por artistas em 1990 e transformado em galeria de arte. Batizado Tacheles, o espaço ainda se conserva parcialmente em ruínas.
A curadoria da mostra é da brasileira Sônia Frye, que reside em Berlim há mais de dez anos. Ela também é idealizadora do projeto Amate (tel. 00-49-30-859-2044), espécie de galeria itinerante criada em 1994 e que já expôs trabalhos do fotógrafo Sebastião Salgado e do artista plástico José Rufino.

Exposição: Cuba, por Rogério Assis (21 imagens em preto-e-branco, 30 cm x 40 cm) Quando: qua a dom, 12h às 22h. Até 17/4 Onde: galeria Tacheles (Oranienburger Strasse, 54-56, tel. 00-49-30-282-6185, Berlim) Na Internet: www.tacheles.de

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