São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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LITERATURA
No mundo de Lewinsky, Clinton é ursinho para beijar

BARBARA GANCIA
Colunista da Folha

O homem mais indisponível do mundo e, segundo o senador democrata Bob Kerry, "um hábil mentiroso. Muito hábil".
Consulte o fundo do âmago de seu ser íntimo: se o presidente dos EUA, especialmente esse presidente dos EUA, lhe fizesse uma proposta indecente, você declinaria?
Pois é. O charme todo da história de Monica Lewinsky é esse: ela teve a cara-de-pau de tirar umas lascas do sujeito, em tese, mais poderoso do planeta.
Esse negócio de homem mais poderoso do planeta funciona um pouco assim: você é o presidente dos EUA e gosta, digamos, de jogar golfe. Entre um passeio no Air Force One e um jantar com algum Prêmio Nobel ou estóico líder árabe, dá na sua telha convidar o Tiger Woods para jogar nove buracos de golfe.
Antes que você consiga terminar a expressão "Hail to the Chief", o melhor golfista das últimas décadas aceita seu convite com entusiasmo e ainda considera a sua convocação uma honra a ser compartilhada com parentes e amigos e rememorada pela eternidade.
Monica Lewinsky encontrou um esplêndido nicho na agenda desse privilegiado funcionário público.
E o escritor Andrew Morton, autor daquela esquálida biografia da princesa Diana e em quem eu, parafraseando Chico Buarque (ou foi o Millôr?), não confiaria meu cão para dar uma volta no quarteirão, acabou sendo o escolhido dos advogados de Monica Lewinsky para contar ao mundo como a traquinagem toda aconteceu.
O resultado, para quem prefere as "Sabrinas" da vida a livros técnicos, é um esbalde -presumindo, claro, que você não se chame Chelsea Clinton.
Vejamos: em "Monica's Story" você aprenderá que, além de ser a encarnação da piada sobre a mulher perfeita, que se transforma em uma pizza ao final da noite, na "high school" a balofa Monica era chamada carinhosamente de "Big Mac". Xi, Marquinho!
Morton nos ensina ainda que Lewinsky estudou na classe dos irmãos Menendez, aqueles rapazes que executaram pai e mãe só para comprar um Porsche e dois Rolex (já imaginou que orgulho para o corpo docente da escola contar com ex-alunos tão ilustres?).
O livro, bem ao estilo repugnante de Morton, trata a mesma Monica que abortou um filho de outro enquanto estava ocupada seduzindo o presidente dos EUA, como uma espécie de Madre Teresa ("Por mais que Linda Tripp tenha me encorajado a ousar, assumo a responsabilidade por todas as coisas que fiz"). Mas oferece também apetitosos canapés: sabia que o único outro homem por quem Monica diz ter se apaixonado foi um sujeito, veja só que coincidência, casado e metido até o pescoço em mentiras?
E a Casa Branca, então? Se você pensa que seu ambiente de trabalho deixa a desejar é porque ainda não ouviu o que Morton, Lewinsky e os parentes da estagiária mais famosa do mundo têm a dizer sobre o clima que paira no número 1600 da Pennsylvania avenue.
Fofoca, dáprés Morton, é o mote da sede do governo norte-americano. A coitada da Monica, santa pessoa que é, apenas não conseguiu se encaixar naquele butantã.
O fato de que ela acabou sendo colocada no olho da rua quando a supervisora dos estagiários da Casa Branca percebeu o tamanho da encrenca que estava rolando não tem nada a ver. Claro que não.
A inadequação de Monica, segundo Morton, nasceu de uma infância turbulenta, cresceu na separação dos pais e, como não podia deixar de ser em qualquer drama "made in USA", floresceu na baixa auto-estima, essa invenção gringa que serve como alavanca de marketing para vender qualquer coisa, de programas de emagrecimento a antidepressivos.
No mundo de Monica Lewinsky cartografado por Andrew Morton, Bill Clinton é um ursinho para beijar, trocar poemas de amor e fazer aquela ginástica toda no banheiro do Salão Oval.
Assuntos como a guerra da Bósnia, a encrenca no Oriente Médio e a reeleição do presidente dos EUA passam em décimo quinto lugar. Não está de ótimo tamanho?


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