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LITERATURA
No mundo de Lewinsky, Clinton é ursinho para beijar
BARBARA GANCIA
Colunista da Folha
O homem mais indisponível do
mundo e, segundo o senador democrata Bob Kerry, "um hábil
mentiroso. Muito hábil".
Consulte o fundo do âmago de
seu ser íntimo: se o presidente dos
EUA, especialmente esse presidente dos EUA, lhe fizesse uma proposta indecente, você declinaria?
Pois é. O charme todo da história
de Monica Lewinsky é esse: ela teve
a cara-de-pau de tirar umas lascas
do sujeito, em tese, mais poderoso
do planeta.
Esse negócio de homem mais poderoso do planeta funciona um
pouco assim: você é o presidente
dos EUA e gosta, digamos, de jogar
golfe. Entre um passeio no Air Force One e um jantar com algum Prêmio Nobel ou estóico líder árabe,
dá na sua telha convidar o Tiger
Woods para jogar nove buracos de
golfe.
Antes que você consiga terminar
a expressão "Hail to the Chief", o
melhor golfista das últimas décadas aceita seu convite com entusiasmo e ainda considera a sua
convocação uma honra a ser compartilhada com parentes e amigos
e rememorada pela eternidade.
Monica Lewinsky encontrou um
esplêndido nicho na agenda desse
privilegiado funcionário público.
E o escritor Andrew Morton, autor daquela esquálida biografia da
princesa Diana e em quem eu, parafraseando Chico Buarque (ou foi
o Millôr?), não confiaria meu cão
para dar uma volta no quarteirão,
acabou sendo o escolhido dos advogados de Monica Lewinsky para
contar ao mundo como a traquinagem toda aconteceu.
O resultado, para quem prefere
as "Sabrinas" da vida a livros técnicos, é um esbalde -presumindo,
claro, que você não se chame Chelsea Clinton.
Vejamos: em "Monica's Story"
você aprenderá que, além de ser a
encarnação da piada sobre a mulher perfeita, que se transforma em
uma pizza ao final da noite, na
"high school" a balofa Monica era
chamada carinhosamente de "Big
Mac". Xi, Marquinho!
Morton nos ensina ainda que Lewinsky estudou na classe dos irmãos Menendez, aqueles rapazes
que executaram pai e mãe só para
comprar um Porsche e dois Rolex
(já imaginou que orgulho para o
corpo docente da escola contar
com ex-alunos tão ilustres?).
O livro, bem ao estilo repugnante
de Morton, trata a mesma Monica
que abortou um filho de outro enquanto estava ocupada seduzindo
o presidente dos EUA, como uma
espécie de Madre Teresa ("Por
mais que Linda Tripp tenha me encorajado a ousar, assumo a responsabilidade por todas as coisas
que fiz"). Mas oferece também
apetitosos canapés: sabia que o
único outro homem por quem
Monica diz ter se apaixonado foi
um sujeito, veja só que coincidência, casado e metido até o pescoço
em mentiras?
E a Casa Branca, então? Se você
pensa que seu ambiente de trabalho deixa a desejar é porque ainda
não ouviu o que Morton, Lewinsky
e os parentes da estagiária mais famosa do mundo têm a dizer sobre
o clima que paira no número 1600
da Pennsylvania avenue.
Fofoca, dáprés Morton, é o mote
da sede do governo norte-americano. A coitada da Monica, santa
pessoa que é, apenas não conseguiu se encaixar naquele butantã.
O fato de que ela acabou sendo
colocada no olho da rua quando a
supervisora dos estagiários da Casa Branca percebeu o tamanho da
encrenca que estava rolando não
tem nada a ver. Claro que não.
A inadequação de Monica, segundo Morton, nasceu de uma infância turbulenta, cresceu na separação dos pais e, como não podia
deixar de ser em qualquer drama
"made in USA", floresceu na baixa
auto-estima, essa invenção gringa
que serve como alavanca de marketing para vender qualquer coisa,
de programas de emagrecimento a
antidepressivos.
No mundo de Monica Lewinsky
cartografado por Andrew Morton,
Bill Clinton é um ursinho para beijar, trocar poemas de amor e fazer
aquela ginástica toda no banheiro
do Salão Oval.
Assuntos como a guerra da Bósnia, a encrenca no Oriente Médio e
a reeleição do presidente dos EUA
passam em décimo quinto lugar.
Não está de ótimo tamanho?
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