São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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Para alemão, Jorge Luis Borges foi invenção de Bioy Casares

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Com a morte de Adolfo Bioy Casares, só resta uma pessoa viva, Maria Kodama, para comprovar ou negar a tese ficcional do alemão Gerhard Kopf, segundo a qual Jorge Luis Borges nunca existiu.
Em "There Is No Borges" (George Braziller, 1993, 196 páginas), Kopf levanta a hipótese de Borges ter sido um personagem de Bioy Casares, interpretado por um ator.
Kodama, a viúva de Borges, foi contratada por Bioy Casares, de acordo com o romance de Kopf, para ajudar o ator quando ele começou a perder a memória.
Em troca dos direitos autorais de todos os livros com a assinatura de Borges, Kodama jurou nunca revelar ao público a grande encenação de Bioy Casares, diz o livro.
O narrador de "There Is No Borges" é um decadente e suicida professor de literatura portuguesa que viaja da Alemanha para participar em Macau de uma conferência.
No vôo, que enfrenta sérias turbulências, ele trava longa conversação com um estranho argentino.
É esse personagem que desenvolve a teoria de que Borges foi uma criação de Bioy Casares.
Com citações de entrevistas de Borges e Bioy Casares sobre a natureza peculiar de sua amizade, referências a fatos como eles terem escrito juntos novelas policiais assinadas por Biorges, o argentino conta sua versão dos fatos.
Segundo ela, Bioy Casares inventou Borges para conseguir a realização que os escritores mais ambicionam: não só criar personagens mas torná-los seres vivos.
Para isso, contratou um ator de teatro mambembe, chamado Aquiles Scatamacchia, para corporificar Jorge Luis Borges. Scatamacchia decorava tudo que Casares escrevia para ser assinado por Borges. Leu tanto, que teve problemas de vista até acabar cego.
Sua cegueira, em vez de reduzir o "projeto Borges", ampliou-o. O "mito do cego que vê" transformou a admiração por Borges num culto. De acordo com o argentino, a chave da trama está no livro "A Invenção de Morel", de Bioy Casares, prefaciado por Borges.
A semente de desconfiança lançada pelo passageiro argentino cai em solo fértil, a mente do professor de literatura portuguesa.
Ele próprio já levantara as hipóteses de que Shakespeare e Cervantes haviam sido, na verdade, uma só pessoa e de que Borges não passara de um personagem.
Mas a dúvida havia se dissipado para o professor, quando os dois se encontraram numa feira de livros em Munique. Borges até lhe havia autografado uma cópia do "Livro das Criaturas Imaginárias".
O relato do passageiro argentino, no entanto, reinstaura a questão na consciência do professor.
Enquanto o avião com destino a Macau sacode e os dois intelectuais ingerem incontáveis drinques, o professor se lembra de frases de Borges (como "ler é pensar com a mente de um estranho") que poderiam corroborar a história.
Kopf teria tido ainda mais material para trabalhar se tivesse sabido, em 1992, quando escreveu "There Is No Borges", que Bioy Casares prepararia "Conversações com Borges", em que relata as conversas noturnas diárias que os dois tiveram durante 40 anos, meticulosamente registradas em 2 mil páginas de anotações feitas nos dias seguintes a seus jantares literários.


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