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As vaidades do barroco
Divulgação
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"Santana Mestra", de autor desconhecido |
Colecionador de obras de Aleijadinho e o Mosteiro de São Bento, em São Paulo, dono de um dos mais importantes acervos nacionais de arte sacra, negam obras para Mostra do Redescobrimento: Brasil + 500 por divergências com curadoria
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MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO
Fogueira de vaidades chamusca "Barroco"
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Visões antagônicas sobre o papel da
religião católica no
Brasil e uma fogueira de vaidades
transformam desde
já em campo de batalha o cenário
de 6.000 m2 que está sendo finalizado para abrigar "A Imagem Religiosa no Brasil". Também conhecido como "Barroco", o segmento está entre os 12 módulos
da Mostra do Redescobrimento:
Brasil + 500, que o presidente Fernando Henrique Cardoso inaugura no próximo dia 23, no parque Ibirapuera, em São Paulo.
Em atitude inédita, o Mosteiro
de São Bento de São Paulo, proprietário de um dos mais importantes acervos de arte sacra do
país, negou-se a emprestar imagens à mostra, pois "consta que a
exposição pretende manifestar
uma suposta dominação exercida
pela igreja sobre o país, insinuando essa dominação como a própria razão de ser da instituição". A
negativa foi detalhada em carta à
Associação Brasil 500 Anos, baseada em parecer do clérigo beneditino Carlos Eduardo Uchôa,
também artista plástico e historiador de arte. "A recusa não se deu
por se tratar de imagens de culto,
como foi interpretado, uma vez
que acabamos de emprestar
obras à exposição "Barroco de Paris". O irmão Uchôa não é um
amador no assunto, e o mosteiro
não quis colaborar com uma visão de dominação associada, sem
mais, à missão religiosa", afirma
dom Estevão Souza Neto, professor de filosofia da Unicamp.
A curadora do módulo, Myriam
Andrade Ribeiro Oliveira, se surpreende: "É o maior samba do
crioulo doido que já ouvi, sem pé
nem cabeça. Jamais ouvi falar do
historiador Carlos Uchôa e nem
conheço livros seus publicados.
Os beneditinos contam com
grandes historiadores de arte, como dom Clemente da Silva Nigra,
que foi meu amigo pessoal, dom
Mateus, do Rio, e dom Hildebrando, de Pernambuco. Mas desse senhor nunca ouvi falar", diz.
A avaliação dos religiosos parece ater-se mais aos conceitos expressos na cenografia do módulo,
encomendada à diretora teatral
Bia Lessa, do que às escolhas da
curadoria. Porém Myriam se declara em total sintonia com as
idéias materializadas por Lessa
(leia texto nesta página).
Não foi esse o único problema
inesperado enfrentado pelo módulo até agora. Ataque inesperado partiu esta semana de um dos
maiores colecionadores de peças
de Aleijadinho (1730-1814), o financista paulista Renato Whitaker. Após negar o empréstimo de
duas peças de seu acervo à mostra, Whitaker exibe, a partir de
amanhã, 24 imagens de Aleijadinho no restaurante de culinária
portuguesa Antiquarius, no elitizado bairro paulistano dos Jardins. "Ao menos, o visitante que
vier à cidade não se decepcionará
com falta de Aleijadinhos", diz o
colecionador (Brasil + 500 traz oito peças do escultor mineiro).
Sem campânulas de vidro, a coleção particular foi apresentada
anteontem à imprensa paulista
num ambiente atravessado de vapores de pratos como o "bacalhau
espiritual". Mantendo a segurança em seu nível rotineiro, o local
planeja servir em breve prato alusivo a Minas, "talvez uma leitoa
barroca". Visitas devem ser feitas
apenas no período da tarde, agendadas pelo tel. 0/xx/11/282-3015,
até 7 de setembro.
O inusitado evento gastrovisual
é, na verdade, retaliação de Whitaker à diretoria da Mostra 500
Anos, a mesma que, na última
Bienal Internacional de SP, não
teria dado destaque em catálogo
para o empréstimo de seis peças
do escultor barroco. A Associação
Brasil 500 Anos informa que, desta vez, o colecionador não atendeu solicitação de expertise para
concretizar o empréstimo de duas
obras.
Renato Whitaker discorda, ainda, dos critérios técnicos da curadora: "Um dos Cristos que ela escolheu para a mostra "Barroco em
Paris" (1999) era visivelmente de
outra autoria". Myriam Andrade,
coordenadora de pós-graduação
em História da Arte da UFRJ,
contra-ataca: "O problema da coleção Whitaker é conter vários
itens duvidosos, atribuídos erroneamente a Aleijadinho. No entanto o colecionador pretendia
forçar a entrada do maior número possível de peças suas".
"Esse triste episódio determina
que eu nunca mais faça "expertises" sem a companhia dos outros
quatro membros do Instituto do
Patrimônio Nacional (Iphan)",
lamenta Andrade. "Ao menos há
o consolo de saber que ele (Whitaker) nunca mais vai me telefonar pressionando por autenticações. Foi por isso que resolvi tratar preferencialmente com museus." Contudo, mesmo nesse setor, Myriam administrou negativas: o Museu de Arte Sacra de SP
preferiu mandar a Portugal a emblemática "Nossa Senhora das
Dores", uma das imagens mais
reproduzidas de Aleijadinho.
Também as prefeituras das cidades históricas mineiras, como
Congonhas do Campo, não quebraram sua tradição de ciúmes e
superstição: as obras de Antônio
Francisco Lisboa não arredam pé
de sua circunscrição, mesmo com
a promessa de verbas para a recuperação de altares e imaginárias
em mau estado de conservação.
"Apesar de trabalhar toda a minha vida com elas, nunca imaginei que as imagens sacras possuíssem carga emocional tão
grande, a ponto de provocar essas
reações absurdas", conclui
Myriam Andrade Ribeiro.
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