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"Dou de bandeja a fórmula para ser copiado"
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O jogo é a arte. As regras variam
de acordo com a situação. A "pintura" figurativista-abstrata "sobre
vaca", obra inédita que integra a
exposição no ITO, foi executada
segundo a seguinte orientação de
Leirner: "Preencher
todo o espaço com
"stickers" auto-adesivos "made in China"
aleatoriamente, sem
deixar um espaço vazio, a la Pollock". Leia
a seguir entrevista de
Leirner à Folha durante a montagem da
mostra.
(JMo)
Folha - Por que Duchamp, e não Warhol?
Nelson Leirner - A
gente se encontrou.
Nos anos 70, quando
eu comecei a conhecer bem a obra dele,
percebi que os trabalhos que eu fazia sem
ter conhecimento da
existência de Marcel
Duchamp coincidiam com seu
pensamento e encontrei nele uma
identidade. Então, naquela época,
eu resolvi dizer: "Duchamp, eu
quero ser seu sobrinho". Depois
eu venho a encontrar Beuys, que
me interessou muito pela forma
como ele encarava a religiosidade.
Depois, Andy Warhol, porque ele
era um artista que colocava em
prática seu discurso. Não adianta
você falar que vai trabalhar com a
relação de consumo e depois você
não mostrar como seu trabalho se
torna produto desse consumo, e
Andy Warhol enxergou isso. Depois eu encontrei na minha vida o
Kabakov e assim por diante. Eu
gosto de dialogar com quem me
interessa, porque eu acho que
quem me interessa vai poder responder às minhas perguntas. E é
desse diálogo que eu vivo.
Folha - Mas entre todos eles quem
você elegeu, até para homenagear
diretamente, foi Duchamp...
Leirner - Porque é o meu parente
mais próximo. Assim como eu
homenageio a minha mãe [na
obra "Uma Viagem para Campos
do Jordão", por ocasião do centenário de nascimento de Felicia
Leirner] porque foi ela quem me
empurrou para dentro deste
meio, eu homenageio Duchamp,
porque ele também foi decisivo
na minha relação com a arte.
Folha - Herdeiro do pai da arte
conceitual, é de se imaginar que
você delega a produção. Você coloca a mão em alguma coisa?
Leirner - Não, em nada. É engraçado que, em relação ao artista, as
pessoas cometem um erro crasso:
elas acham que o artista é o único
que tem o poder de realizar a obra
e elas deixam escapar que basta
determinar a regra do jogo. Nessa
exposição eu determinei regras
para todos os trabalhos, nem vi a
montagem do "Futebol", pedi
que separassem os objetos por tamanho e por entidade e dei a regra: "Comece a circular o campo
com os menores e vá aumentando
até terminar com os mais altos.
Faça grupos de entidades para
formar blocos de cor, depois siga
uma linha reta usando a mesma
regra". E vou para casa. Volto no
dia seguinte e está impecável.
Folha - O trabalho que você vai
mostrar na galeria Brito Cimino é
uma espécie de "Boîte-en-Valise"
(de Duchamp), que condensa todas
as suas referências?
Leirner - É, mas eu trouxe para a
galeria a minha biblioteca real,
não é condensada. É a biblioteca
do meu ateliê, com as prateleiras,
tudo. E todos os objetos que me
interessam. Todos os livros e revistas em que saiu alguma coisa
sobre o meu trabalho estão aqui, a
foto do Dog, meu cachorro que
eu adoro, alguns santos barrocos
do século 19 que eu ganhei da minha mãe... E, exatamente do mesmo tamanho, vou mostrar uma
réplica fotográfica da biblioteca.
Folha - A parte "real" da instalação vai estar à venda?
Leirner - Tem que ser uma proposta muito tentadora para eu me
desfazer de coisas que são muito
íntimas, é como aquele filme em
que o marido deixa a mulher dormir com outro homem por um
milhão de dólares... Eu concordo
que tudo tem seu preço.
Folha - O seu trabalho está se tornando mais cínico com o tempo?
Leirner - Pode ser, mas sabe por
quê? Porque hoje a sociedade
aprendeu a lidar com a agressão.
A sociedade sempre teve muito
medo do artista, que a agredia
muitas vezes diretamente. Como
foi que ela aprendeu a lidar com
isso? Consumindo. No momento
em que eu consumo, você pode
me agredir à vontade porque eu
não sinto mais os seus tapas. Então a sociedade fica consumindo
você o tempo todo. Você grita alto, esperneia, e nada faz a mínima
diferença. Eu não tenho mais como sair da leitura que se faz do
meu trabalho. Se eu fizer um
monte de lixo, se eu quebrar toda
a minha obra, não adianta. Quando a leitura já está dada, você simplesmente tem que voltar àquilo
que importa: a intuição. Só.
Folha - Quando você descobriu
que havia artistas vendendo cópias
de seu "Homenagem a Fontana",
por que não os processou?
Leirner - Nunca faria isso com
ninguém que copiasse meu trabalho, porque eu dou margem a isso. A única coisa que me levaria a
processar alguém é se falsificasse
minha assinatura, que é outra coisa. Mas acho que minhas obras
gritam o tempo todo: "Me copie".
Eu estou dando de bandeja a fórmula para ser copiado. Mas esta é
a grande dificuldade das pessoas:
elas não têm coragem. Tudo nesta
mostra é possível fazer idêntico.
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