São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

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O jogo da vingança

Divulgação
Cena do filme "Old Boy" (2003), do diretor coreano Park Chan-wook, que conta a história de um homem que, após ficar prisioneiro por 15 anos, busca vingança




No violento "Old Boy", que estréia hoje, o diretor coreano Park Chan-wook foca a desforra como tabu

PHILIPPE PIAZZO
DO "MONDE"

O filme "Old Boy", de Park Chan-wook, é uma espécie de cruzamento punk de Alexandre Dumas com mangás e com "Um Corpo que Cai", de Hitchcock. Humor, violência, habilidade técnica espantosa -estamos na seara de Tarantino e De Palma. Leia a seguir entrevista com o diretor.

Pergunta - "Old Boy" relata uma maquinação inacreditável. Seu filme anterior, "Sympathy for Mr. Vengeance", já era muito violento e tratava do tema da vingança. Por que essa obsessão?
Park Chan-wook -
Porque a vingança ainda é vista como tabu pela sociedade, e acho interessante que o cinema mostre aquilo que não pode ser mostrado e exprima aquilo que devemos reprimir em nosso cotidiano. Em meu filme "J.S.A.," era preciso transgredir as fronteiras coreanas, geograficamente falando, o que já equivale a transgredir as leis e os limites.

Pergunta - O sexo é um desses tabus?
Park -
De maneira alguma. Mas o incesto, sim. Um tabu é a expressão de um desejo, e, portanto, a arte deve desempenhar um papel. Mas eu não procuro a transgressão a qualquer custo. É sobretudo o sentimento de culpa que eu queria combater. Queria procurar saber se existe uma maneira de deixarmos o sentimento de culpa de lado e nos sairmos bem. Mesmo que saibam que vão fracassar e ser derrotados, meus personagens lutam e nunca desistem. É por isso que talvez consigam alcançar uma certa forma de graça.

Pergunta - É uma graça na destruição?
Park -
Isso é a engrenagem. Todos os personagens terminam por tomar consciência de sua culpa. Não sentem orgulho de seus pecados; é isso que os torna humanos, e acabam se tornando amáveis. Para mim, reencontrar essa humanidade é reencontrar a graça.

Pergunta - E seu mau humor?
Park -
Ele explode porque eu quero mostrar até onde a raiva e o ódio podem nos levar. Conheço um diretor cujo produtor o infernizou a tal ponto que ele, por conta própria, cortou a cena mais bonita que tinha rodado, para que seu filme não fosse sucesso. A vingança implica um movimento autodestrutivo. É isso que eu penso, por exemplo, das relações entre os EUA e o Iraque. Do ódio não pode nascer outra coisa senão o ódio.

Pergunta - Em seu filme se diz que a vingança faz bem à saúde...
Park -
Mas o que o personagem não diz (e que o filme mostra) é que, para ele, é preciso que a vingança permaneça ao nível do desejo. Se ela se realiza, não há mais nada, e a vida perde o sentido. Saciar sua sede de vingança significa destruir o lado humano. No filme, esse homem, após a morte de sua irmã, voltou ao estado de menino pequeno e reduziu sua sede de vingança. O reverso da medalha é que ele parou de crescer.

Pergunta - E, ao manter sua vítima presa dentro de um quarto por 15 anos, ele também suspendeu a vida dos outros. A essa loucura no tema de "Old Boy" corresponde o tema musical dessa valsa ao mesmo tempo obsessiva e inebriante que ouvimos sem parar. É como se fosse impossível evoluir, também no que diz respeito à música.
Park -
É um filme de movimentos incessantes, que quer fazer você sentir seus tormentos como lembrança e virar sua cabeça do avesso. É essa a razão dessa música contínua, como um fluxo de tempo, impossível de parar, que se modula com ritmos diferentes: valsa, tango, tecno. Há uma variação do tema musical quando se trata de esquecer o passado, e outra quando é questão de hipnose, além de ainda outra quando o herói se desdobra. Nesse último caso, eu a mixei como se fosse uma marcha fúnebre. Cada passo corresponde, pelo avesso, um ano da vida do herói.

Pergunta - "Old Boy" é ao mesmo tempo um filme de aventura, um filme de amor, um filme noir e um filme psicanalítico. O que mais?
Park -
No fundo, já pensei muitas vezes que, à nossa maneira, estávamos fazendo um western.


Tradução Clara Allain


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