São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

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CRÍTICA

Roteiro engenhoso não livra filme das regras da indústria do cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Na Coréia ou no Japão, no Brasil ou na Alemanha, nos EUA ou em Hong Kong, só a violência nos une. O idioma partilhado por Quentin Tarantino, Take-shi Kitano e John Woo é este, e o fato de ter dominado o cinema coincide, estranhamente, com a repressão do erotismo.
Temos então uma nova ordem do pudor, em que o corpo desaparece como lugar de prazer e se impõe como lugar de mutilação. Muito disso aparece sob a forma de uma brincadeira (não há como ver "Kill Bill" senão como uma saudável brincadeira), que é possivelmente a maneira encontrada pelos diretores para sobreviver no mundo-cão cinematográfico.
Assim, este "Old Boy", de Park Chan-wook, chega ao cartaz muito provavelmente por aceitar certas regras da indústria do que por outra coisa, inclusive a exuberante imaginação do roteiro. Por "imaginação exuberante" compreenda-se o conjunto de procedimentos que levam o espectador e os críticos a verem novidade na recombinação de mais ou menos os mesmos elementos de sempre.
Aqui, um homem é seqüestrado e mantido prisioneiro durante 15 anos, sem que conheçamos os motivos de tal evento. Um dia é libertado e leva duas obsessões do cativeiro... a primeira é vingar-se, claro, a segunda é descobrir de quem deve vingar-se.
Bem, tudo gira em torno disso: vingança, pois o anônimo que prendeu nosso herói o fez por vingança, mas não a tem por terminada, ainda. O duelo prosseguirá, configurando um jogo tipo gato e rato, de que nenhum corpo em cena parece apto a sair ileso até que descubramos quem se vinga de quem e por quê.
É verdade que até descobrirmos o antagonista do herói o filme estará quase acabado, o que deixa a estranha impressão de que o verdadeiro inimigo seria Deus, isto é, um ser onipresente e onisciente, habitando um lugar acima de nós, controlando as situações, quaisquer que sejam, por pessoas interpostas e promovendo uma sangueira e uma violência com poucos precedentes, de que eu me lembre, no cinema mundial.
Tudo isso não significa que o coreano Park Chan-wook não tenha condições de fazer outros filmes, menos em consonância com aquilo que dele exige "o sistema" mundial de distribuição e (em boa parte) de premiação de filmes em festivais. Não lhe falta vigor para configurar uma obra. Falta, talvez, esse tanto de espírito de oposição tão freqüente nos grandes artistas.


Old Boy
  

Direção: Park Chan-wook
Produção: Coréia do Sul, 2003
Com: Min-sik Choi, Ji-tae Yu, Hye-jeong Kang
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, no Frei Caneca Unibanco Arteplex e no Lumière


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