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CINEMA
Diretor de "Sábado" e "Festa", entre outros, inicia hoje, em SP, as filmagens de "O Príncipe", seu quinto longa
Giorgetti mostra intelectualidade sombria
DA REPORTAGEM LOCAL
"Eu me conformei com a escuridão", diz o cineasta Ugo Giorgetti, 59. Embora o conformismo
e a nebulosidade não pareçam
condizentes com o estado de espírito de quem inicia hoje as filmagens de seu quinto longa-metragem, a frase se justifica. "No começo de um filme, a gente nunca
sabe onde ele vai dar."
O início, contudo, é certo. Numa feira livre na Vila Mariana,
bairro paulistano, serão tomadas
as primeiras cenas de "O Príncipe", produção orçada em R$ 1,8
milhão na qual Giorgetti assina
também o roteiro.
Num cenário dominado por feirantes e consumidores, o protagonista, interpretado pelo ator
Eduardo Tornaghi, irá saborear
um engordurado pastel, como
quem comete uma contravenção.
"Que se dane o colesterol. As coronárias, porra! Eu sonhava com
isso!", é o comentário de Gustavo
para Hilda (Márcia Bernardes), a
mulher de seu sobrinho Mário
(Ricardo Blat), cuja internação
em um hospital psiquiátrico o
traz de volta ao país depois de um
longo exílio voluntário em Paris.
O retorno de Gustavo a uma São
Paulo que em duas décadas se tornou outra é o mote de Giorgetti
para abordar "o que nos tornamos". Nós, no caso, é uma certa
intelectualidade classe média
paulistana.
Personagens reconhecíveis
No filme, a transformação dos
jovens promissores com tendências de esquerda em "habitués" de
um universo que Giorgetti classifica como "culturatti" terá de ser
adivinhada. "Não me interessa
como chegamos a isso, mas o que
somos agora", diz o cineasta, que
vê nesse panorama uma realidade
muito sombria.
"É triste ver a ânsia de cultura da
classe média e o que se oferece a
ela como sendo produto cultural", diz. Por ter uma pontaria certeira "numa cidade e em alguns
de seus habitantes", "O Príncipe"
conta personagens facilmente reconhecíveis.
Apenas no caso de Hilda, homenagem à fotógrafa Marlene Bergamo, fotógrafa da Folha, Giorgetti
admite revelar a identidade do
personagem real que inspirou o
da ficção. "No caso dela, é um
exemplo positivo."
Não se pode dizer o mesmo de
Maria Cristina (Bruna Lombardi), responsável pelas decisões de
investimento em projetos culturais de uma grande empresa, ou
do produtor de eventos Marino
Estevez (Ewerton de Castro).
No elenco de "O Príncipe" tomam parte ainda Otávio Augusto,
Elias Andreato, Thiago Pinheiro,
Lygia Cortez, Felipe Folgosi e Nídia Alícia, no papel da mãe de
Gustavo.
Antes mesmo que a crise energética tivesse ocupado a pauta do
dia no país, Giorgetti havia desenhado uma queda de luz no diálogo de reencontro dos ex-amantes
Gustavo e Maria Cristina.
Com muitas cenas externas e
noturnas previstas, o cineasta não
se inquieta com a possibilidade de
enfrentar os apagões que já começaram a atingir São Paulo. Ao
contrário, acha pertinente registrar uma cidade às escuras, num
filme em que trata do obscurantismo intelectual.
Pessimista por escolha e cínico
por cultivo, o cineasta que dedicou 30 anos de carreira à publicidade diz que, se pudesse, falaria
apenas sobre técnica cinematográfica, assunto que mais lhe interessa e prática que mais o divertiu
até hoje, na realização de filmes
como "Festa", "Sábado" e "Boleiros". "Depois que ficar pronto,
ninguém irá vê-lo, e os cariocas
ainda dirão que é filme paulista.
Mas temos que fazê-los."
(SILVANA ARANTES)
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