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Jorge Furtado repete a fórmula de "Ilha das Flores" e mistura referências em "O Homem que Copiava"
Ele e suas cópias
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta Jorge Furtado, 44,
ancorou seu pensamento no de
Millôr Fernandes -"Quando você copia alguém, é plágio, quando
você copia 300 pessoas, é pesquisa"- e usou "uma salada de referências" para roteirizar e dirigir
"O Homem que Copiava", longa
que estréia hoje em 75 salas.
Para contar a história de quatro
jovens suburbanos em Porto Alegre que querem dinheiro para
mudar de vida, o diretor copiou
primeiro a si mesmo e fez um filme em hipertexto, repetindo o
modelo do curta "Ilha das Flores"
(1989), que o consagrou.
"O filme todo tem a estrutura de
hipertexto, com o tempo aos saltos -para a frente e para trás. E
tem [por temas] o herói romântico, a necessidade de matar o pai, a
discussão de cópia e original, a
importância do filho e uma história de Hamlet invertida."
Antes que soe demasiada complicação, fique o espectador avisado de que "O Homem que Copiava" trata seus temas complexos de
forma simples e compreensível.
O "herói romântico" é André
(Lázaro Ramos), um operador de
fotocopiadora, ou mais exatamente o moço do xerox numa papelaria de bairro. Por amor a Sílvia (Leandra Leal), vendedora
numa loja de roupas, André quer
mudar o curso da vida -daí o heroísmo e o romance.
A "necessidade de matar o pai"
está nos dois protagonistas. "Ele,
metaforicamente, quer se livrar
do pai imaginário. Ela quer matar
o pai realmente, porque acha que
aquele homem (Carlos Cunha Filho) não é seu pai e abusou dela na
infância", explica o diretor.
A discussão sobre "cópia e original" vai além do rotineiro liga-e-desliga do trabalho de André e
ganha forma também no valor do
dinheiro -"quase um personagem na trama".
De um soneto de Shakespeare
que cai nas mãos de André, surge
o símbolo para "a importância do
filho". Diz o texto: "Contra a foice
do tempo é vão combate, salvo a
prole, que o enfrenta se te abate".
O roteiro de Furtado fará André
perceber que "o sentido do soneto
é que o único jeito de enfrentar a
morte é o filho, que leva adiante a
linhagem do pai".
A inversão de Hamlet está representada pela trajetória de Sílvia -"uma filha que quer matar
o pai usurpador para vingar a
morte da mãe", diz Furtado.
Além do pai de Sílvia e da mãe
de André (Tereza Teixeira), gravitam em torno do casal Marinês
(Luana Piovani), colega de trabalho de André, Cardoso (Pedro
Cardoso), pretendente a namorado de Marinês, e Feitosa (Júlio
Andrade), o amigo barra-pesada
do herói romântico.
"Os personagens que me interessam são os periféricos. Gosto
dos coadjuvantes da história. Eu
me preocupo em falar de pessoas
comuns", afirma Furtado. Mas,
na vida das pessoas comuns do
filme, os acontecimentos têm
muito de fantasioso. "Apesar de
os personagens serem possíveis e
realistas em sua construção, a história não tem nada de realista: tudo o que eles fazem dá certo", diz.
Inclusive crimes e contravenções.
"A indústria produz há anos
milhões de histórias que têm a
mesma moral -o crime não
compensa, seja bom, não transgrida, cumpra ordens. E a transgressão a cada dia aumenta mais.
Acho que o herói transgressor mexe com as pessoas, mas não induz à transgressão", diz Furtado.
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