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CINEMA/ESTRÉIA
"O HOMEM QUE COPIAVA"
Longa de Jorge Furtado joga com espectadores
Diretor anda na corda bamba entre experiência e diversão
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Jorge Furtado é um artista da
corda bamba. Sabe como poucos caminhar na fronteira entre a
experimentação e o entretenimento. Seu cinema pode ser visto
como um jogo entre o cineasta e o
espectador.
Para conduzir este último ao
centro de seu labirinto, Furtado o
atrai com piadas rápidas, um ou
outro clichê e doses generosas de
didatismo. Quando o freguês percebe que não entrou num parque
de diversões, mas num sofisticado
mecanismo de reflexão sobre o
mundo contemporâneo e a arte
de narrar, já é tarde demais.
"O Homem que Copiava", como se sabe, gira em torno de André (Lázaro Ramos), um rapaz
que opera uma fotocopiadora numa papelaria e que, por isso, tem
um conhecimento fragmentário
das coisas do mundo.
Pois bem: o filme de Furtado assume em sua própria textura essa
idéia de fragmentação e heterogeneidade. Narrando do ponto de
vista de André, incorpora sua
imaginação, seus sonhos, suas associações de idéias e, sobretudo, o
caráter parcial de sua visão.
Além de ensejar o recurso a vários gêneros (comédia, drama,
policial) e meios (cinema, vídeo,
animação), a opção propicia uma
espécie de aula prática sobre a natureza do cinema como discurso
que organiza e dá sentido a cacos
dispersos de imagem e som.
Há uma sequência admirável
que resume tudo isso. André observa de sua janela a garota (Leandra Leal) que mora no prédio em
frente, pela qual está apaixonado.
Pela fresta da janela do apartamento da moça, ele vê um espelho
de porta de guarda-roupa que, de
acordo com o ângulo em que está
disposto, revela a cada vez uma
parte do quarto.
A tela vai sendo progressivamente tomada por esses retalhos,
em faixas verticais, até formar um
ambiente mais ou menos coerente. Esse espaço construído virtualmente é a essência do cinema.
A narração em "off", utilizada
por Furtado desde "Ilha das Flores", é uma peça essencial dessa
estratégia narrativa, comentando,
ironizando e dirigindo (muitas
vezes com pistas falsas) o quebra-cabeças de imagens.
Mas não se trata de um jogo que
se esgota no lúdico, ou no regozijo
em seu próprio brilho, e sim de
um dispositivo de interpretação
de uma realidade dada: a dos jovens brasileiros de classe média
baixa, aprisionados pela necessidade cotidiana de conseguir um
dinheirinho e pelo projeto de ganhar um dinheirão. Isso unifica os
quatro personagens centrais de
"O Homem que Copiava" e os leva às fronteiras do crime.
Entre as tão faladas citações do
filme, a mais significativa talvez
seja a de "Crime e Castigo". Só
que o Deus de Furtado, como se
verá no final, é mais benfazejo e
redentor que o de Dostoiévski.
O Homem que Copiava
Produção: Brasil, 2003
Direção: Jorge Furtado
Com: Lázaro Ramos, Luana Piovani
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Espaço Unibanco, Jardim
Sul, Pátio Higienópolis e circuito
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