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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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CINEMA/ESTRÉIA

"O HOMEM QUE COPIAVA"

Longa de Jorge Furtado joga com espectadores

Diretor anda na corda bamba entre experiência e diversão

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Jorge Furtado é um artista da corda bamba. Sabe como poucos caminhar na fronteira entre a experimentação e o entretenimento. Seu cinema pode ser visto como um jogo entre o cineasta e o espectador.
Para conduzir este último ao centro de seu labirinto, Furtado o atrai com piadas rápidas, um ou outro clichê e doses generosas de didatismo. Quando o freguês percebe que não entrou num parque de diversões, mas num sofisticado mecanismo de reflexão sobre o mundo contemporâneo e a arte de narrar, já é tarde demais.
"O Homem que Copiava", como se sabe, gira em torno de André (Lázaro Ramos), um rapaz que opera uma fotocopiadora numa papelaria e que, por isso, tem um conhecimento fragmentário das coisas do mundo.
Pois bem: o filme de Furtado assume em sua própria textura essa idéia de fragmentação e heterogeneidade. Narrando do ponto de vista de André, incorpora sua imaginação, seus sonhos, suas associações de idéias e, sobretudo, o caráter parcial de sua visão.
Além de ensejar o recurso a vários gêneros (comédia, drama, policial) e meios (cinema, vídeo, animação), a opção propicia uma espécie de aula prática sobre a natureza do cinema como discurso que organiza e dá sentido a cacos dispersos de imagem e som.
Há uma sequência admirável que resume tudo isso. André observa de sua janela a garota (Leandra Leal) que mora no prédio em frente, pela qual está apaixonado. Pela fresta da janela do apartamento da moça, ele vê um espelho de porta de guarda-roupa que, de acordo com o ângulo em que está disposto, revela a cada vez uma parte do quarto.
A tela vai sendo progressivamente tomada por esses retalhos, em faixas verticais, até formar um ambiente mais ou menos coerente. Esse espaço construído virtualmente é a essência do cinema.
A narração em "off", utilizada por Furtado desde "Ilha das Flores", é uma peça essencial dessa estratégia narrativa, comentando, ironizando e dirigindo (muitas vezes com pistas falsas) o quebra-cabeças de imagens.
Mas não se trata de um jogo que se esgota no lúdico, ou no regozijo em seu próprio brilho, e sim de um dispositivo de interpretação de uma realidade dada: a dos jovens brasileiros de classe média baixa, aprisionados pela necessidade cotidiana de conseguir um dinheirinho e pelo projeto de ganhar um dinheirão. Isso unifica os quatro personagens centrais de "O Homem que Copiava" e os leva às fronteiras do crime.
Entre as tão faladas citações do filme, a mais significativa talvez seja a de "Crime e Castigo". Só que o Deus de Furtado, como se verá no final, é mais benfazejo e redentor que o de Dostoiévski.


O Homem que Copiava    
Produção: Brasil, 2003
Direção: Jorge Furtado
Com: Lázaro Ramos, Luana Piovani
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Espaço Unibanco, Jardim Sul, Pátio Higienópolis e circuito



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