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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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BRASILEIRO FAZ PASSEIO PELA HISTÓRIA DAS HQS

O sombra

Reprodução do livro "Vapt Vupt"
O personagem "Spirit", de Will Eisner, criador do termo "graphic novel" e velho conhecido do brasileiro Álvaro de Moya



Artigos de Álvaro de Moya, coletados em "Vapt Vupt", ajustam contas com um personagem que não ficou "no gibi"


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo começou com um papel vegetal. Mal tinha aprendido a ler e escrever, Álvaro de Moya já se escondia no quarto do irmão mais velho e se punha a copiar os desenhos de Alex Raymond do herói "Flash Gordon". Em pouco tempo, imitaria o traço de Walt Disney e seria contratado para desenhar as capas da revista "Pato Donald" para a editora Abril. De olho na narrativa cinematográfica de John Ford e Orson Welles, passaria a considerar os quadrinhos como arte e organizaria a primeira exposição do gênero no mundo em São Paulo. O ano era 1951.
"Ninguém considerava aquilo arte, viam como uma coisa deletéria para a infância. Nos Estados Unidos, [os quadrinhos] entraram na campanha anticomunista de Joseph MacCarthy. Aqui, eram um problema educacional. Os professores, os padres e os pais achavam que a criança ficava preguiçosa mentalmente quando lia os gibis", lembra Moya.
Mas, em 1962, "com a benção dos europeus", o quadrinho virou arte -arte sequencial, completou Will Eisner, pai do personagem "Spirit" e da "graphic novel".
"A essa altura eu já tinha entrevistado o Milton Caniff [criador da tira "Terry e os Piratas", dos anos 40] e, num congresso em Nova York, ele chegou para os grandes desenhistas franceses, Moebius, Jean Claude Forest, e falou: "Olha, muito antes de vocês europeus defenderem os quadrinhos, esse brasileiro vinha aqui e falava tudo o que vocês estão falando". E eles: "Oui, les brésilien!'"
Isto é Álvaro de Moya, nascido em 1930, o "Forrest Gump" dos quadrinhos brasileiros, desenhista, chargista, jornalista, ex-diretor de TV e um dos principais estudiosos do assunto no mundo todo. Um pouquinho de toda essa experiência retorna agora para os leitores brasileiros em "Vapt Vupt", coletânea de artigos que Moya escreveu para a revista "Abigrafi" nos últimos dez anos e que está sendo lançada pela Clemente & Gramani Editora.
"Coloquei esse título porque achei que o livro ia sair sem pé nem cabeça, mas, no final, ficou tão bonito que até periga de alguém ler o texto", brincou o autor em entrevista à Folha.
 

Folha - Quando foi que o sr. passou a levar os gibis a sério?
Álvaro de Moya -
Minha formação sempre foram os filmes de Hollywood e as histórias em quadrinhos. Quando comecei a fazer HQ, passei a prestar atenção às fitas de cinema e reparar que tinham muito a ver com a narrativa dos quadrinhos. Aí vi o John Steinbeck, o Alberto Moravia e o Charles Chaplin elogiando os quadrinhos. Nos anos 60, Fellini, Picasso e Alan Resnais declararam que tinham sido formados, como eu, lendo HQs...

Folha - Como fez contato com os artistas estrangeiros?
Moya -
Eu era um moleque atrevido, falava inglês e estava estagiando na [rede de TV americana] CBS. Propus para a Folha mandar algumas reportagens de lá. O que, no fundo, era uma desculpa minha para entrevistar o Al Capp [autor das tiras de "Ferdinando", dos anos 30], o Milton Caniff, o Stanley Kubrick...

Folha - A Marylin Monroe...
Moya -
A Marylin abriu a porta quando eu toquei a campainha do Arthur Miller [que foi casado com a estrela no final dos anos 50].

Folha - Qual a importância de registrar a história das HQs?
Moya -
Logo que o cinema surgiu, saudaram o D.W. Griffith, o Eisenstein e o Vertov como grandes cineastas, dizendo que o cinema era uma arte. Já os quadrinhos apareceram em 1895 e só nos anos 60 foram reconhecidos como uma coisa importante. A essa altura, a maioria dos grandes autores, como o Hal Foster ou o Alex Raymond já tinham morrido ou estavam em fim de carreira.

Folha - Pobres?
Moya -
Não. A maioria ganhou muito dinheiro. O Charles Schultz [de "Charlie Brown"] chegou a receber 60 milhões de dólares por ano. O Al Capp também. Naquele tempo o dinheiro tinha outro valor. Não era fácil ganhar US$ 1 mi.

Folha - E no Brasil?
Moya -
O [ilustrador da primeira metade do século passado] J. Carlos conseguiu construir uma casa, mas ninguém ficou rico.

Folha - Dizem que ele foi sondado até pelo Walt Disney...
Moya -
O Walt viu os desenhos do J. Carlos e achou lindos. Num banquete de exibição de "Fantasia" para o Getúlio Vargas, pediu que o J. Carlos se sentasse ao lado dele e convidou-o para trabalhar nos Estados Unidos. O J. Carlos fez uma charge de um papagaio se despedindo dos outros bichos enquanto fazia as malas para ir a Hollywood. Mas desistiu e o Disney levou adiante o Zé Carioca.


VAPT VUPT. Autor: Álvaro de Moya. Lançamento: Clemente & Gramani Editora. Preço: R$ 39 (171 págs.).


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