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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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COMENTÁRIO

Ator era último dos mocinhos hollywoodianos

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Entre príncipe e plebeu, Gregory Peck era um daqueles atores cuja elegância e autenticidade parecem hoje um segredo que morreu com a grande era clássica do cinema americano.
Peck encarnava o "homem verídico", o herói portador do ideal de verdade típico do "american way of life" numa época em que as boas intenções andavam em baixa em Hollywood. Ele foi o último dos mocinhos.
O jovem padre idealista de "As Chaves do Reino" (1944), o repórter exemplar de "A Luz É para Todos" (1947), em sua denúncia do anti-semitismo, o consciencioso advogado sulista de "O Sol É para Todos" (1963), disposto a defender, contra todos, os direitos de um negro acusado de estupro -o ator foi indicado ao Oscar por esses três filmes e acabou levando a estatueta na última oportunidade. Peck era o último dos homens de bem numa época em que o bom-mocismo havia se tornado, em Hollywood, algo meio démodé.
Quando Peck começou sua carreira, Hollywood se via entregue a certa morbidez freudiana. Apesar de os personagens idealistas terem-lhe aberto as portas, não escapou da voga subpsicanalítica da Hollywood do pós-guerra.
Em "Quando Fala o Coração", de Hitchcock, ele interpretava um amnésico acusado de homicídio submetido a tratamento freudiano. Em "Duelo ao Sol", Peck e Jennifer Jones, num embate de atroz sensualidade, davam vazão a todos os tipos de pulsões do freudismo hollywoodiano.
Mas Eldred Gregory Peck parecia pertencer a uma outra época. Ele logo se firmou como guardião dos ideais (perdidos) do "american way" e, à medida que pôde começar a escolher os filmes que iria protagonizar, passou a se ater cada vez mais a papéis edificantes, personagens cuja decência e elegância já não podiam ser dissociadas da aura cultivada pelo ator californiano.
Alto, elegante, discreto e sumamente decente, Peck, que aprendeu a gostar de cinema com a avó, parecia ter herdado a aura dos heróis clássicos hollywoodianos que tanto admirara na infância.


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