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COMENTÁRIO
Ator era último dos mocinhos hollywoodianos
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Entre príncipe e plebeu, Gregory Peck era um daqueles
atores cuja elegância e autenticidade parecem hoje um segredo
que morreu com a grande era
clássica do cinema americano.
Peck encarnava o "homem verídico", o herói portador do ideal
de verdade típico do "american
way of life" numa época em que as
boas intenções andavam em baixa em Hollywood. Ele foi o último
dos mocinhos.
O jovem padre idealista de "As
Chaves do Reino" (1944), o repórter exemplar de "A Luz É para Todos" (1947), em sua denúncia do
anti-semitismo, o consciencioso
advogado sulista de "O Sol É para
Todos" (1963), disposto a defender, contra todos, os direitos de
um negro acusado de estupro -o
ator foi indicado ao Oscar por esses três filmes e acabou levando a
estatueta na última oportunidade.
Peck era o último dos homens de
bem numa época em que o bom-mocismo havia se tornado, em
Hollywood, algo meio démodé.
Quando Peck começou sua carreira, Hollywood se via entregue a
certa morbidez freudiana. Apesar
de os personagens idealistas terem-lhe aberto as portas, não escapou da voga subpsicanalítica da
Hollywood do pós-guerra.
Em "Quando Fala o Coração",
de Hitchcock, ele interpretava um
amnésico acusado de homicídio
submetido a tratamento freudiano. Em "Duelo ao Sol", Peck e
Jennifer Jones, num embate de
atroz sensualidade, davam vazão
a todos os tipos de pulsões do
freudismo hollywoodiano.
Mas Eldred Gregory Peck parecia pertencer a uma outra época.
Ele logo se firmou como guardião
dos ideais (perdidos) do "american way" e, à medida que pôde
começar a escolher os filmes que
iria protagonizar, passou a se ater
cada vez mais a papéis edificantes,
personagens cuja decência e elegância já não podiam ser dissociadas da aura cultivada pelo ator californiano.
Alto, elegante, discreto e sumamente decente, Peck, que aprendeu a gostar de cinema com a avó,
parecia ter herdado a aura dos heróis clássicos hollywoodianos que
tanto admirara na infância.
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