São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em ano de eleição, Aguinaldo Silva critica populismo de governantes na próxima novela das oito da Globo

Horário político

Divulgação/TV Globo
Maria do Carmo (Carolina Dieckman), em cena da primeira fase da novela " Senhora do Destino", que estréia no dia 28


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em plena época de eleições -e de horário eleitoral-, os políticos que se cuidem! Um exemplar da classe assumirá, na próxima novela das oito, a vilania que cercou Laura Prudente da Costa e seu mundo de celebridades.
No ar a partir do dia 28 na Globo, "Senhora do Destino" é mais um texto de horário nobre de Aguinaldo Silva, 60. Do time VIP de autores, é o único do grupo a nunca ter sido escalado para as seis ou sete: possui exclusivamente novelas das oito no currículo, entre elas, "Roque Santeiro" (85/ 86), "Vale Tudo" (88), "Fera Ferida" (93/94) e "A Indomada" (97).
Sua anterior, "Porto dos Milagres" (2001), deu o que falar pelas analogias com fatos políticos da época. A maior polêmica girou em torno do senador corrupto interpretado por Lima Duarte, que se complicou por ter tido uma conversa gravada, como ocorria com Antonio Carlos Magalhães.
Desta vez, o inescrupuloso será Naldo (Eduardo Moscovis). À Folha, o autor afirma que ele é um apanhado de políticos "aproveitadores, demagogos e populistas" do Rio. É filho da protagonista, Maria do Carmo, nordestina pobre que chega à capital fluminense em 68. A matriarca (Carolina Dieckman na primeira fase e Suzana Vieira na segunda) é homenagem à mãe do autor e passa por percalços vividos por ele -nordestino, migrante, homossexual-, como a prisão durante a ditadura.
Ela vence pelo trabalho. Também Silva. "Se parasse agora ou se Anthony Garotinho fosse eleito presidente da República -que Deus nos livre e guarde-, poderia ir morar, sem grandes problemas, no meu apartamentozinho na Place de Furstemberg, em Paris", diz. Leia entrevista abaixo.
 

Folha - "Porto dos Milagres" era forte em analogias com políticos da época. O que podemos esperar de "Senhora do Destino"? O governo Lula renderia boas histórias?
Aguinaldo Silva -
"Senhora" está mais situada na Baixada Fluminense, e Naldo, um político ambicioso, foi um apanhado que fiz de vários políticos do Estado do Rio, que são esses inescrupulosos, aproveitadores, demagogos e populistas que há por aí. Infelizmente, esse é o retrato do Brasil. Não sei se algo do governo Lula renderia uma boa história, isso só dá para avaliar na hora. Mas terei um personagem, o "seu Jacques", que teve a aposentadoria calculada erradamente (para menos, claro) pelo INSS. Todos os dias, depois de ler jornal, fará um comentário. Suas análises provocarão o maior disse-que-disse. Ele terá o bordão: "Quem está falando é um brasileiro!". Minha idéia é fazer com que pelo menos duas cenas por semana sejam gravadas no mesmo dia ou na véspera da exibição para que tenham atualidade. Se algo interessante acontecer no país que valha ressaltar, ganhará comentário do "seu Jacques".

Folha - Essa é sua primeira trama sob a era da campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania. "Celebridade" teve problemas com isso. "Senhora" também terá?
Silva -
Acho que não. "Senhora" é uma novela conservadora entre aspas, porque vem resgatar valores que parecem ter sido esquecidos pela sociedade, como a ética, o respeito, a família. Fala sobre pessoas que vencem através do trabalho. Acho qualquer tipo de censura ruim, mas não posso deixar de comentar que não gosto nem um pouco desses programas sensacionalistas que tomaram conta da TV brasileira a pretexto de mostrar a vida como ela é.

Folha - Maria do Carmo, a "senhora do destino", é o nome de sua mãe, mas mistura a história dela com a sua, como quando foi preso. O que há de autobiográfico?
Silva -
A história da Maria do Carmo, a partir do instante em que é presa, é, rigorosamente, a que aconteceu comigo quando fui preso, em 1969. Tem até frases, como quando Dirceu pergunta a ela na cadeia: "De onde você é?". Uma presa política me fez essa pergunta, e respondi que era do "Globo", na época, considerado um jornal reacionário. Fui preso por ter escrito o prefácio do "Diário de Che Guevara", com o título "A Guerrilha Não Acabou". Como não tinha culpa, eles simplesmente me deixaram lá, de castigo, durante 70 dias, e, quando saí, fui trabalhar de novo no Globo, ou nas Organizações Globo, onde estou até hoje. O jeito de minha mãe está muito representado na personagem que leva o nome dela, Maria do Carmo Ferreira da Silva. Era uma mulher muito forte e quis homenageá-la.

Folha - Em "Suave Veneno" (1999), Eva Todor era Maria do Carmo, que apoiou a opção homossexual do filho. Também foi uma referência autobiográfica? Costuma colocar sua história nas novelas?
Silva -
Não foi uma referência autobiográfica, mas, por ter sido jornalista por 18 anos, eu me acostumei a pegar personagens da vida real e lhes dar um banho de ficção. Por exemplo, para criar Josefa (Marília Gabriela), eu me inspirei um pouco em três mulheres que eram donas de jornais na época: a Condessa Pereira Carneiro, do "Jornal do Brasil", Niomar Muniz Sodré, do "Correio da Manhã", e Ondina Dantas, do "Diário de Notícias". O que me fez escrever "Senhora do Destino" foi a quantidade de nordestinos que vieram para o Sul, com uma mão na frente e outra atrás, e acabaram triunfando à custa de trabalho. Isso inclui o meu caso e o do atual presidente da República.

Folha - Há alguns anos, o sr. declarou que "Suave Veneno" seria seu penúltimo folhetim. Disse que em 2004 estaria com "idade muito adiantada" para criar novelas e que não aceitaria fazer outras nem que a Globo "oferecesse o céu". Os 60 anos não o assustam mais ou o céu oferecido foi "de brigadeiro"?
Silva -
A possibilidade de ser esquecido é o que me assustou mais. Já tinha decidido parar com novelas. O meu contrato venceria em julho deste ano, até que, um dia, comentei isso com um amigo, e ele me perguntou se eu estava preparado para ser reconhecido como o cara que escrevia novela, ou seja, o senhor "já era". Achei que não, mas, ao mesmo tempo, coloquei na minha cabeça que, se fosse escrever outra novela, teria que ser diferente das que eu já havia escrito, e é isso o que eu estou fazendo agora. Pode-se dizer que "Senhora" é de um estreante. Estou expurgando dela qualquer vestígio do "estilo Aguinaldo Silva". Tenho a fantasia de achar que, se a assinasse com pseudônimo, ninguém saberia que era.

Folha - Em 2000, o sr. disse ganhar mais de R$ 60 mil mensais na Globo. Há anos no time VIP de globais, poderia parar de trabalhar?
Silva -
Sou o único autor de novela que só escreveu para o horário das oito. Isso faz parte da história da telenovela e também me ajudou, nesses 26 anos de TV, a programar minha vida de modo que me tornasse independente. Tanto poderia parar que já havia pensado em parar de escrever novelas, mas isso não está mais nos meus planos. De qualquer modo, se eu parasse agora ou se Anthony Garotinho fosse eleito presidente da República -que Deus nos livre e guarde-, poderia ir morar, sem grandes problemas, no meu apartamentozinho na Place de Furstemberg, em Paris.

Folha - Novelas clássicas, folhetins, consagram-se como sucesso no Ibope. Será assim para sempre ou haverá inovações, como união entre ficção e "reality show"?
Silva -
Como um homem de ficção, prefiro acreditar que a novela clássica, folhetinesca, será sempre o melhor estilo para o sucesso.

Folha - Em semana de parada gay, pergunto ao sr., já demitido de um banco devido à opção sexual: a trama terá homossexual?
Silva -
Como "Senhora" fala sobre relações familiares, me veio a idéia de abordar como uma família iria se adaptar a uma relação homossexual assumida por um dos membros. Pensei em colocar duas moças, a filha mais velha do Sebastião (Nelson Xavier), a Eleonora (Milla Cristie), e a filha do ex-bicheiro Giovanni Improtta (José Wilker), a Jeniffer (Bárbara Borges), vivendo uma situação dessas. Mas só vou começar a desenvolver essa história bem mais para a frente. Não porque tenha cuidados, mas porque tenho muita trama para desenvolver.

Folha - Como ex-repórter, o que acha do jornalismo retratado por Gilberto Braga em "Celebridade"?
Silva -
Estou longe das Redações há muito tempo, mas acho que basta ver o que anda sendo publicado para saber que tudo, atualmente, é possível. A certa altura de "Senhora do Destino", o jornal "Diário de Notícias", fechado no começo da novela, será relançado. A idéia dele é fazer um jornal diferente de tudo o que está aí. Ainda não tenho a menor idéia, mas é como antigo jornalista que ando refletindo a respeito. Pretendo consultar profissionais, ex-companheiros meus e gente mais nova para tentar chegar a um consenso. Você, que está na frente de batalha, tem alguma idéia?


Texto Anterior: Programação da TV
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.