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Crítica/teatro
Entre o shopping e o Ágora, o teatro espera por seu devido espaço
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Apesar do cíclico e instantâneo patriotismo
que inunda o país de
quatro em quatro anos, por razões políticas e esportivas, a indigência cultural anda tão
grande que parece reunir sob a
mesma bandeira arquétipos
tão opostos quanto o "empresário humanista" Antônio Ermírio de Moraes e o "anarquista coroado" José Celso Martinez Corrêa. De fato, tanto em
"Acorda Brasil", em cartaz no
shopping Frei Caneca, quanto
em "Os Sertões - A Luta - Parte
2", no teatro Oficina, no aguardo do Teatro de Estádio, a ambição principal não é a peça em
si nem a performance dos protagonistas, mas a inserção social que ela promove entre o
elenco de base.
Metalingüisticamente, a
emoção estética em ambos os
casos é ver o ganho de auto-estima dos atores e músicos de
Heliópolis, de um lado, e do
Movimento Bixigão, do outro:
Dionisos entrega a adolescentes carentes a chave da cidade,
em meio a frases exclamativas e
palavras de ordem.
Mas duas ressalvas são indispensáveis. Primeiro, é preciso
constatar que, no final feliz ostentado por Antônio Ermírio
-a desacreditada orquestra do
maestro Baccarelli triunfa
diante dos aplausos do público-, a dignidade recobrada é a
do cidadão inserido no mercado, na utopia do shopping, que
merece vultosos investimentos
privados e públicos, a começar
pelo próprio autor-empresário.
A utopia do Oficina é o Ágora,
do cidadão legislador, que exerce diretamente o poder -e, aí, a
luta por patrocínio beira a
mendicância, contagiando de
melancolia a quinta parte da saga de "Os Sertões", em final
aberto, que contrasta com o
otimismo final da trilogia de
Antônio Ermírio.
Por outro lado, a forma usada
em "Acorda Brasil" é quase
uma embalagem estratégica: a
dramaturgia calcada em chavões eficientes e atores que o
público conhece da TV tem como missão atrair a atenção do
público para os verdadeiros
protagonistas, humildes e anônimos. Aceita a tese, seria deselegante por parte do crítico avaliar a limpeza das unhas desta
mão generosa, restando apenas
torcer para que em breve a comunidade de Heliópolis ganhe
autonomia para subir ao palco
desacompanhada, a exemplo
de Monte Azul e Vidigal.
O Oficina procura evoluir o
Homem de Euclydes da Cunha
para o Trans-Homem de Oswald de Andrade, por meio de
uma ruptura da separação entre palco e platéia, e a constante
reformulação desse "Te-ato"
que funde revista, ópera, cordel, cinema, rock e rave, intervenção urbana e ritual religioso. Não importa se a rima é pobre, pois a música é boa. Embora deserções no coro tenham
piorado o resultado, vale a pena
acompanhar o nascimento do
novo, mesmo que só esboçado.
Uma questão de ordem, no entanto: se a verba é escassa para
o imenso desejo, porque gastá-la tanto em cenário e som, enquanto a dramaturgia acumula
até o incompreensível sobre o
ator exangue simbolismos e referências intermináveis?
Não espanta que o verdadeiro fio condutor da trama se torne a espera de Godot, várias vezes evocado. Mais do que as cenas de interação, que se tornam
cada vez mais escassas, a verdadeira comunhão neste epílogo
perplexo é a espera junto aos
atores encurralados, na fé que a
passagem do Oficina não seja
um corredor da morte, mas a
sala de espera do parto do Teatro de Estádio.
Que se permita ao crítico
compartilhar a angústia pela
falta de espaço, na qual a divulgação tem mais preço que a reflexão. Deixemos as estrelas para a Copa e a astrologia, que
mais espaço merecem por serem mais competentes nesta
distribuição.
ACORDA BRASIL!
Texto: Antônio Ermírio de Moraes
Direção: José Possi Neto
Elenco: Arlete Salles, Petrônio Gontijo, Luiz Guilherme e outros
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às
19h; até 30/7
Onde: Teatro Shopping Frei Caneca
(r. Frei Caneca, 569, Consolação, região central, tel. 3472-2229)
Quanto: R$ 50
OS SERTÕES - A LUTA - PARTE 2
Texto: Euclydes da Cunha
Adaptação e direção: José Celso Martinez Corrêa
Elenco: grupo Oficina Uzyna Uzona
Quando: sex., às 20h; sáb. e dom., às
18h; até 2/7
Onde: Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela
Vista, região central, tel. 3106-2818)
Quanto: R$ 10
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