São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 2006

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Crítica/teatro

Entre o shopping e o Ágora, o teatro espera por seu devido espaço

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Apesar do cíclico e instantâneo patriotismo que inunda o país de quatro em quatro anos, por razões políticas e esportivas, a indigência cultural anda tão grande que parece reunir sob a mesma bandeira arquétipos tão opostos quanto o "empresário humanista" Antônio Ermírio de Moraes e o "anarquista coroado" José Celso Martinez Corrêa. De fato, tanto em "Acorda Brasil", em cartaz no shopping Frei Caneca, quanto em "Os Sertões - A Luta - Parte 2", no teatro Oficina, no aguardo do Teatro de Estádio, a ambição principal não é a peça em si nem a performance dos protagonistas, mas a inserção social que ela promove entre o elenco de base. Metalingüisticamente, a emoção estética em ambos os casos é ver o ganho de auto-estima dos atores e músicos de Heliópolis, de um lado, e do Movimento Bixigão, do outro: Dionisos entrega a adolescentes carentes a chave da cidade, em meio a frases exclamativas e palavras de ordem. Mas duas ressalvas são indispensáveis. Primeiro, é preciso constatar que, no final feliz ostentado por Antônio Ermírio -a desacreditada orquestra do maestro Baccarelli triunfa diante dos aplausos do público-, a dignidade recobrada é a do cidadão inserido no mercado, na utopia do shopping, que merece vultosos investimentos privados e públicos, a começar pelo próprio autor-empresário. A utopia do Oficina é o Ágora, do cidadão legislador, que exerce diretamente o poder -e, aí, a luta por patrocínio beira a mendicância, contagiando de melancolia a quinta parte da saga de "Os Sertões", em final aberto, que contrasta com o otimismo final da trilogia de Antônio Ermírio. Por outro lado, a forma usada em "Acorda Brasil" é quase uma embalagem estratégica: a dramaturgia calcada em chavões eficientes e atores que o público conhece da TV tem como missão atrair a atenção do público para os verdadeiros protagonistas, humildes e anônimos. Aceita a tese, seria deselegante por parte do crítico avaliar a limpeza das unhas desta mão generosa, restando apenas torcer para que em breve a comunidade de Heliópolis ganhe autonomia para subir ao palco desacompanhada, a exemplo de Monte Azul e Vidigal. O Oficina procura evoluir o Homem de Euclydes da Cunha para o Trans-Homem de Oswald de Andrade, por meio de uma ruptura da separação entre palco e platéia, e a constante reformulação desse "Te-ato" que funde revista, ópera, cordel, cinema, rock e rave, intervenção urbana e ritual religioso. Não importa se a rima é pobre, pois a música é boa. Embora deserções no coro tenham piorado o resultado, vale a pena acompanhar o nascimento do novo, mesmo que só esboçado. Uma questão de ordem, no entanto: se a verba é escassa para o imenso desejo, porque gastá-la tanto em cenário e som, enquanto a dramaturgia acumula até o incompreensível sobre o ator exangue simbolismos e referências intermináveis? Não espanta que o verdadeiro fio condutor da trama se torne a espera de Godot, várias vezes evocado. Mais do que as cenas de interação, que se tornam cada vez mais escassas, a verdadeira comunhão neste epílogo perplexo é a espera junto aos atores encurralados, na fé que a passagem do Oficina não seja um corredor da morte, mas a sala de espera do parto do Teatro de Estádio. Que se permita ao crítico compartilhar a angústia pela falta de espaço, na qual a divulgação tem mais preço que a reflexão. Deixemos as estrelas para a Copa e a astrologia, que mais espaço merecem por serem mais competentes nesta distribuição.


ACORDA BRASIL!
Texto: Antônio Ermírio de Moraes
Direção: José Possi Neto
Elenco: Arlete Salles, Petrônio Gontijo, Luiz Guilherme e outros
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 30/7
Onde: Teatro Shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, Consolação, região central, tel. 3472-2229)
Quanto: R$ 50
OS SERTÕES - A LUTA - PARTE 2
Texto: Euclydes da Cunha Adaptação e direção: José Celso Martinez Corrêa
Elenco: grupo Oficina Uzyna Uzona
Quando: sex., às 20h; sáb. e dom., às 18h; até 2/7
Onde: Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela Vista, região central, tel. 3106-2818)
Quanto: R$ 10



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