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A Farra da Copa, provão e a politização da vida
ALBERTO DINES
Colunista da Folha
Espécie de caricatura dos traços nacionais, nesta empolgação pelo Mundial de Futebol, a
imprensa criou uma situação
sui generis na própria imprensa. Se antes os jornais abriam
mão de sua marca orgânica e
universal pulverizando-se em
caderninhos segmentados e irrelevantes, agora foram mais
longe e estabeleceram uma divisão nuclear, mais profunda.
O jornalismo de saturação
agora adotado, apelidado de
Farra da Copa, fraturou nossos jornais em dois. De um lado ficou o oba-oba, a badalação, com as doses maciças de
palpitação e palpitismo. No
outro ficamos nós, os condenados a acompanhar as chatices
da vida nacional -os
sem-credencial, os sem-graça e
sem acesso à grande ribalta lá
nas bandas de Asterix.
Estamos aqui numa espécie
de banco de reserva, indispensável limbo que tanto revolta o
atacante Edmundo. Esquema
de segurança, opção para
eventuais emergências (Deus
nos livre!) de que a vida nacional torne-se mais importante
do que aquilo que rola nos gramados, bistrôs e butiques gaulesas.
Destarte (como se deve dizer
nestas sobras de jornal repentinamente solenizadas) podemos flagrar incidentes e fenômenos interessantes. Magicamente cessaram as invasões de
terras e repartições, evaporaram-se as notícias sobre saques
no Nordeste. Sem que ocorressem alterações substanciais em
nosso panorama social ou climático.
A consumação da chapa Lula-Brizola também merece
destaque. O gaúcho não afetará minimamente as sondagens
eleitorais (Lerner, Garotinho e
Rossi que o digam), mas contém um lance biográfico que
não se deve desprezar.
Leonel Brizola está no páreo
há quase meio século, é a mais
longa carreira de aspirante à
Presidência da história republicana. Eleito, serei um dos
que assinará uma petição ao
cabeça de chapa para se licenciar durante uma semana, sob
qualquer pretexto e, assim,
permitir ao vice o acesso à
rampa do Planalto e o direito
a uma foto, mesmo Polaroid,
com a ambicionada faixa. Talvez sossegue e deixe de dar
"carrinhos" naqueles que lhe
estão próximos.
Neste antípoda da Torre Eiffel, relevante foi o Exame Nacional de Cursos, alcunhado
de provão, cuja terceira edição
realizou-se no último domingo. É uma das mais importantes iniciativas do Ministério da
Educação para requalificar e
sanear o ensino superior. Sobretudo no tocante à indústria
do diploma -essa jóia da iniciativa privada-, que vem colocando no mercado de trabalho algumas legiões de jovens
despreparados, cultural e tecnicamente, para exercer as respectivas profissões.
O provão é uma forma engenhosa de avaliar instituições,
docentes e currículos por meio
do desempenho dos formandos. Tão evidentes são seus
méritos que o comparecimento
foi de 92,3% (dados desta Folha, 10/6/98, p. 3-5), não obstante a algazarra dos anos anteriores armada pelos militantes do PSTU. A adesão só não
foi maior por causa de uma decisão judicial evidentemente
politizada, lavrada por um
juiz federal de Belo Horizonte,
que excluiu da avaliação os
3.845 alunos de Belo Horizonte
(felizmente cassada na quarta-feira pelo TRF de Brasília).
Participei da Comissão que,
a convite do MEC, elaborou as
bases conceituais sobre as
quais os especialistas deveriam
montar os questionários para
os formandos na área de jornalismo (pela primeira vez incluída no provão). Sete profissionais e professores de vários
pontos do país com as mais variadas formações políticas, um
deles da diretoria da Fenaj
(Federação Nacional de Jornalistas, ligada à CUT) e dois outros, independentes, também
indicados pela mesma federação.
Foi uma das mais empolgantes tarefas cívicas nas quais me
envolvi não apenas porque estávamos ajudando a criar as
bases para uma revisão curricular com implicações no próprio exercício profissional, mas
também pela convergência e
entrosamento daquele grupo
tão díspar e tão igual.
No meio do caminho, o inevitável radicalismo: acusada
de aderir a um projeto de origem governamental, a diretoria da Fenaj, a despeito da opinião do seu presidente, foi
obrigada a recuar e retirar seu
apoio ao provão. O companheiro dirigente da Federação,
constrangido e disciplinado,
afastou-se da Comissão, mas
os dois outros, embora "desindicados", continuaram contribuindo ativamente com a sua
competência e tirocínio para a
conclusão do trabalho.
Há dias, uma das estagiárias
de um dos projetos com o qual
estou envolvido, estudante de
jornalismo numa escola federal, declarou-se a favor do juiz
mineiro, porque o provão daria muita ênfase à questão da
ética jornalística. Como os
professores estavam em greve
há dois meses, ela sentia-se
prejudicada porque neste ano
praticamente não teve aulas
na disciplina. Ainda não diplomada, a jovem já tem a
chama sagrada da profissional, mas deu-me o argumento
definitivo a favor do provão:
alguma coisa está muito errada quando um centro formador de jornalistas somente ensina ética nos dois últimos semestres. CQD. Como queríamos demonstrar.
O provão pegou, não adianta
espernear. Faz parte de um
vasto processo de mudanças,
por meio de melhorias e empenhos, que independe das forças
que estejam no poder. A auto-exclusão "partisan" e partidária cria bolsões anti-sociais
e antidemocráticos que prejudicam a criação de uma consciência participativa e uma cidadania ativa. Sem elas sociedade alguma pode evoluir.
A luta contra a violência e a
droga, a defesa dos direitos humanos, a reforma agrária, a
preservação do meio-ambiente
e a difusão da cultura humanista são algumas frentes imperiosamente amplas. Apolíticas e suprapartidárias. Não
comportam dissidências, desvios, nem deformações gremiais porque se baseiam em
valores permanentes, intocáveis.
Na campanha do Tri, muitos
recusaram-se a torcer pelo
Brasil para não prestigiar o regime militar. Hoje, neste processo de construção democrática, a paixão pelo futebol despolitizou-se: impensável se distanciar do sonho do Penta, só
porque o otimismo pode favorecer a candidatura FHC.
Prova é a foto publicada nos
jornais na última quinta, em
que o comando da frente
PT-PDT assistia ao jogo contra
a Escócia, envergando a camisa da seleção nacional. Lula
muito à vontade, José Dirceu
nem tanto, Brizola constrangido com a fatiota que estreava e
Marta Suplicy sempre charmosa. Único a destoar, o senador
Requião. Certamente porque
não havia no estoque da casa
uma camisa para esconder
suas banhas. Melhor essa hipótese do que acreditar na versão
de que prefira os escoceses.
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