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Na carreira solo, Lennon cantava agruras diárias
Gravadora prepara lançamento mundial da obra do ex-beatle para o dia 9 de outubro, quando faria 70 anos
Projeto trará os oito álbuns de estúdio, uma compilação dupla de hits e duas caixas com raridades e singles
IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO
Se é bastante natural que
acontecimentos do cotidiano
influenciem a produção dos
artistas, raros são aqueles
que transformaram sua obra
numa espécie de diário pessoal. John Lennon se encaixa
nesse grupo.
Seus discos em carreira solo serão relançados mundialmente pela EMI em outubro,
a exemplo do que a mesma
gravadora fez com a obra dos
Beatles em setembro do ano
passado. Além dos sete álbuns originais, editados entre 1970 e 1980, e do póstumo
de inéditas "Milk and Honey" (1984), o megalançamento trará uma compilação
dupla de hits e uma caixa de
11 CDs, com raridades, singles e livretos.
O projeto, intitulado "Gimme Some Truth", prevê ainda
um set com quatro discos,
com a obra de Lennon dividida por temas: "Roots", evidenciando suas raízes roqueiras; "Working Class Hero", com sua canções de teor
político e social; "Woman",
sobre amor; e "Borrowed Time", que reúne suas visões
sobre a vida diária.
Os CDs remasterizados terão versão produzidas no
Brasil, enquanto as caixas serão importadas pela EMI brasileira para venda no país. A
data do lançamento, 9 de outubro, comemora os 70 anos
de nascimento de Lennon,
que foi assassinado a tiros
aos 40 anos, em 8 de dezembro de 1980.
SETE DISCOS
O primeiro álbum de Lennon, sem contar três discos
de experimentações pouco
musicais lançadas antes em
dupla com Yoko Ono, foi o
"John Lennon/Plastic Ono
Band", de 1970. Repleto de
canções cruas, distorcidas e
gritadas, Lennon negava
dessa forma o cuidado musical do parceiro Paul McCartney, cuja liderança e visão
adocicada da vida haviam
dominado os Beatles.
O ápice é a canção "God",
uma verdadeira declaração
de valores, em que nega tudo
o que já havia sido importante para ele, incluindo Deus e
Bob Dylan. Os versos finais
demonstram a decepção com
a ex-banda e a empolgação
com sua nova fase: "I don't
believe in Beatles/ I just believe in me/ Yoko and me"
(não acredito nos Beatles/ só
acredito em mim/ Yoko e eu).
Em 1971, Lennon produziu
"Imagine", que não só traria
sua música mais lembrada,
como recados pessoais:
"How do You Sleep" (como
você dorme?), para Paul
McCartney, e "Oh Yoko!", para você sabe quem -nos Beatles, Lennon já havia gravado
o sucesso "The Ballad of John
and Yoko" primeiro lugar no
Reino Unido em 1969.
"Some Time in New York
City" (1972) e "Mind Games"
(1973), ao contrário dos anteriores, tiveram recepção fria
e péssimas críticas. Para
completar, o casal se separou
e Lennon mudou-se para Los
Angeles com sua secretária, a
filha de chineses May Pang.
O novo casal passou um
ano e meio na nova cidade,
com Lennon enchendo a cara com amigos como Keith
Moon, Harry Nilsson e Mick
Jagger. Lennon chamaria
mais tarde esse período de
"lost weekend" (fim de semana perdido). Na volta, lançou
"Walls and Bridges" (1974) e
"Rock'n'Roll" (1975), este último apenas com covers dos
anos 50 e 60.
E então, curiosamente, ao
retomar a relação com Yoko
Ono, Lennon passou quatro
anos em silêncio, sem lançar
nada. Estava criando seu filho nascido em 1975, Sean,
como descobriríamos ao ouvir seu disco seguinte, "Double Fantasy" (1980).
Dividido meio a meio com
Yoko Ono, as sete canções de
Lennon no álbum traziam
seu cotidiano no edifício Dakota, em frente ao Central
Park, em Nova York. Em
"Cleanup Time", "o centro
do círculo sempre será nossa
casa". "Beautiful Boy" traz
dicas de felicidade para Sean
(além de o citar nominalmente): "vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos".
E em "Watching the
Wheels", ele demonstra seu
desconforto com quem o acusava de ser um fanfarrão e
não fazer nada: "pessoas dizem que eu sou preguiçoso,
sonhando o tempo todo".
É comovente quando colocada ao lado de outra canção
sobre o mesmo assunto, da
época dos Beatles, "I'm Only
Sleeping" (1966): "todo mundo parece achar que sou preguiçoso". Um sentimento
que parece ter perseguido
Lennon por toda a sua vida.
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