São Paulo, terça-feira, 13 de julho de 2010

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CRÍTICA ENSAIOS

Coletânea de Italo Calvino agrada só aos fãs incondicionais

Textos do escritor italiano reunidos no livro "Coleção de Areia" são cansativos e não transcendem o gênero

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Um artista plástico especializado em fabricar selos de países imaginários. Autômatos capazes de escrever, desenhar ou tocar um instrumento, fabricados por uma dupla de relojoeiros suíços no século 18.
A gramática sutil dos jardins japoneses. A iconografia da América no tempo dos descobrimentos.
Temas desse tipo são abordados pelo escritor italiano Italo Calvino em "Coleção de Areia", que reúne reportagens e ensaios escritos, na sua maioria, de 1980 a 1984.
Está longe de ser um livro desinteressante, mas o que predomina é um tom relatorial e descritivo, no qual a marca do autor está mais na escolha de cada assunto do que em sua capacidade de transcendê-lo.
Reconhece-se o gosto de Calvino pela literatura fantástica, pelo artifício, pelo arbitrário, e a relativa ausência de preocupações políticas, morais ou psicológicas nesses artigos.
Mesmo em relatos de viagens ao Irã (1975) e ao México (1976), somente se notam levíssimas menções à situação da época.
"Jamais senti atração por vísceras", diz o autor a propósito dos modelos de cera que foi visitar, "assim como nunca me senti fortemente inclinado a explorar a interioridade psicológica".
A isso se soma um quadro de referências invariável (Borges, Benjamin, Barthes) para fazer deste conjunto de textos algo que, quase 30 anos após sua publicação na imprensa italiana, já começa a parecer bastante datado.

ROLAND BARTHES
É o pós-moderno em estado "objetivo", evitando os defeitos do humor gratuito e da inconsequência.
O mundo como "linguagem"; a realidade como algo "inventado" por meio de arbitrárias "cartografias"; a imaginação como forma de "bricolagem", o tema do "duplo": este é, de qualquer modo, o "olhar" que organiza os interesses do autor.
Uma exposição parisiense com coleções esquisitas -de rãs embalsamadas, de bilhetes de trem, de areia colhida nas mais diversas praias do mundo (daí vem o título do livro)- inevitavelmente trará menção a algum texto de Walter Benjamin.
Falar em autômatos exige atestar conhecimento da obra de Kleist, ainda que de forma burocrática.
Uma viagem ao Japão ocasiona textos em que a referência a Roland Barthes torna tudo previsível -até mesmo o destaque conferido a um tipo especial de fliperama comum em Tóquio, já analisado pelo semiólogo francês no livro "O Império dos Signos".
É sobre Roland Barthes o melhor texto de "Coleção de Areia". Calvino analisa um livro de Barthes sobre fotografia associando-o à notícia, que acabava de receber, da morte do semiólogo, num ensaio ao mesmo tempo expositivo e emocionado.
A premonição da própria morte, que Calvino percebe nas páginas de Barthes, sem dúvida reverbera no livro.
Certa sensação de aridez, de cansaço e de acúmulo informativo marca o livro inteiro, que se pode recomendar, em todo caso, aos fãs incondicionais do autor.


COLEÇÃO DE AREIA

AUTOR Italo Calvino
TRADUÇÃO Maurício Santana Dias
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39 (232 págs.)
AVALIAÇÃO regular



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