São Paulo, Terça-feira, 13 de Julho de 1999
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ARNALDO JABOR
Nunca o Brasil esteve tão chato...

Meu Deus, como o Brasil está chato! Não acontece mais nada. Porque o país -justiça seja feita- nunca foi "chato". Foi louco, sim; foi esculhambado, sim, com os eternos ratos roubando, sim, sempre foi um pacto de elites imperturbáveis sendo criticadas por um populismo imbecil e oportunista, sim, sempre foi. Mas, "chato", isso não.
Nossas crises que tinham o charme de minuetos à beira do abismo, nossos dramas que chocavam a inteligência eram, contudo, excitantes. Lembrem-se do frisson do impeachment, lembrem-se da montanha-russa da inflação. Era terrível. Mas, tinha "zest", "wit", "pep".
Agora, tudo virou um brejinho de águas mornas. Nossos suspenses são ridículos. Será que o ACM vai conseguir implantar a Ford? Quem disca melhor, a Ana Paula Arósio ou a Luana? E Temer já está numa boa com ACM? Conseguirá Jader Barbalho proteger o PMDB? Meu Deus, que tédio, que leseira, que maçada, que fastio, que estopada, que "pé no saco"!...
Que saudade das esperanças loucas, dos gestos impensados... Tudo anda em círculo vicioso, minhocas mordendo o próprio rabo ao som do pagode e das "bundas-tchan", sob as risadas de "Caras".
É verdade que, antes, éramos animados pela grande ilusão estatal que nos dava combustível para utopias deslavadas, mas que criava subprodutos culturais.
Quanta coisa saiu da loucura de JK, desde o aeroporto de ETs que é Brasília até a crença ingênua em um "primeiro mundo" instantâneo e mágico. Até mesmo as derrotas "revolucionárias" tinham o gosto amargo e viril das batalhas perdidas, "vitórias" masoquistas pelo avesso... Em janeiro deste ano, parecia que a roda-gigante da história iria esmagar a Rússia e o Brasil. Pois mexeram no câmbio, nada aconteceu e tudo parou.
Não estamos em crise. Estamos em quê? Em caos? Em lama? Em banho-maria? Onde estamos? É terrível este silêncio histórico. Crise? Não. Chamemos de quê? Chá de cadeira, semicúpio, banho de cuia?
Diante do impasse da "globalização", nome atual do imperialismo, o presidente brinca de roda, em "cimeiras", ganhando presentinhos, recebendo Ratinhos, mísseis, falando de "globalismo simétrico", Santo Deus... Que "saco", que "aluguel"...
A "destranscendentalização" (uff...) da vida -mercado em vez de sonhos- acelera os países ricos e cria um frisson consumista para eles. Para nós, sem poder, sobra apenas a raspagem de todas as "auras", a morte de todas as fantasias.
Aqui, as coisas parecem acontecer e acabam de repente, surgem e morrem como as rosas, "no espaço de uma manhã". As CPIs, os precatórios, os escândalos, as ameaças, tudo fenece no meio. Só se realizam os acontecimentos que interessam às oligarquias e aos americanos.
O episódio da Ford foi exemplar. Começou com a sabujice de Britto, que deu mais do que devia, e cresceu com o veto correto de Olívio Dutra, que, no entanto, veio com sobretons de machismo petista. A Ford, "puta velha" de mercado, reagiu, agarrada em ACM: "Ah, é? Pois agora vai ser o dobro do preço...".
Quando acontecerá alguma coisa profunda, renovadora? Entre o fracasso do Estado-Nação e o globalismo malandro, ficamos no meio, otários, paralisados. Enquanto o turbo-capitalismo dá aos EUA a maior prosperidade do milênio, nós ficamos parados, com celularzinho na mão, bonezinho do "Chicago Bulls", tenizinho "Reebok", feito uns babacas.
O que está acontecendo é um impedimento aos acontecimentos. O que está acontecendo é um "não-acontecer" proposital. Os Três Poderes competem em corporativismo, anulando as "reformas", deformadas e mortas, como esqueletos de peixes. O governo gasta seu mandato administrando trapalhadas políticas evitáveis.
A viciosa circularidade tucana é responsável por isso: o "bom senso" que esconde o medo, a mentalidade falsamente "processual" que esconde a preguiça. Tudo isso está provocando uma "castração silenciosa" da nação, em vez da tal "revolução silenciosa" que viria.
A cara de tédio "itamarateca" de Sérgio Amaral foi substituída pela cara de tédio de Lamazière. E a sociedade continua ignorada em matéria de comunicação, única coisa que teria importado para mudar estruturas. E, cada vez mais, o povo cai no conto dos populistas espertos, dos dinossauros renascidos com slogans fáceis de entender.
Em quatro anos e meio de governo, não se emplacou medida social-democrata alguma, nada contrário aos interesses de aliados liberais. Nada. A nossa expectativa lamentável é esperar que o presidente mude de personalidade. Em vez de uma esperança histórica, temos um suspense psicológico. Conseguirá ele fazer ao menos um ministério? Nada pior, num presidencialismo ibérico, que um chefe sem peito.
Além de Belíndia, estamos virando uma Suíça mixada com Índia, chata e faminta: "Suicíndia". A personalidade de FH está se abatendo sobre o ritmo do país todo.
Nossa única esperança de acontecimentos é uma boa crise internacional que vai nos pegar, claro, como sempre, despreparados, já que, claro, como sempre, não fizemos nem faremos ajuste fiscal porra nenhuma.
Achávamos que FH ia desconstruir um Estado patrimonialista, mas o pacto pelo atraso vence, como sempre. Íamos cair num abismo e acabamos afogados numa poça d'água.


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