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CINEMA
Braço direito de Fidel Castro na política cinematográfica cubana pós-revolução recebe prêmio especial hoje
Guevara diz que Glauber estará presente
AMIR LABAKI
enviado especial a Gramado
Alfredo Guevara, 71, o braço
direito de Fidel
Castro na condução da política cinematográfica da Cuba
pós-revolucionária, recebe hoje um Kikito especial
do 25º Festival de Gramado-Cinema Latino e Brasileiro.
Perguntado pela Folha se repetirá o gesto que fez ao receber em 96
a medalha Federico Fellini da
Unesco, quando dividiu o prêmio
simbolicamente com Glauber Rocha, Guevara, visitando o país pela
quarta vez, nada deixa escapar.
"Glauber estará presente mesmo
que eu não o mencione".
O presidente do ICAIC (Instituto
Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos) e do Festival de Havana concedeu à Folha, por escrito, uma longa entrevista. A primeira parte foi publicada no último sábado. Na segunda e última
parte, abaixo, Guevara comenta o
atual boom em torno de Che Guevara (seu amigo mas não parente)
e discute sua polêmica atuação em
vários momentos da vida cultural
cubana das últimas três décadas.
Folha - Como o senhor vê a atual
moda Che?
Alfredo Guevara - Che foi tão
forte, seu esplendor é tão autêntico, que não poderá ser deformado
ou esvaziado. Um escritor me disse, em 91, que uma editora o encarregara de escrever uma biografia de Che pois calculava que o retrocesso da esquerda teria de ser
superado em tantos anos e que então, e este então é hoje, Che renasceria. Essa capacidade de cálculo,
de tratar a figura dele como objetivo de marketing, me impactou duramente. Todos querem desnudar
os atos, o pensamento de Che, encontrar fontes secretas ou caminhos que expliquem o que só tem
uma explicação: isso é o que é ser
revolucionário, é simples assim.
Folha - É fato que sua vinculação
ao comunismo data já das atividades como líder estudantil?
Guevara - Na minha vida privilegiei sempre a decisão de ser livre
e autêntico; sou socialista. Quando
conhecei Fidel eu era anarquista. E
iniciava minha aproximação de
Marx, não de seus intérpretes.
Folha - Qual foi sua participação
no surgimento, em 1951, da Sociedade Cultural Nuestro Tiempo,
fundamental na vida artística do
pós-guerra?
Guevara - Na verdade não participei do surgimento. Estava na
época na Europa. Regressei a Cuba
quando já tinham acontecido todas essas histórias.
Folha - Como surgiu o projeto do
ICAIC?
Guevara - Nos primeiros dias
de 59 Fidel me disse: "Não podes
pensar agora em cinema" e fixou
minhas responsabilidades. Só me
interessava, então, estar ao lado
dele, ajudá-lo se pudesse. Quando
me deu luz verde para fazer andar
o cinema pensei antes de tudo que,
na primeira etapa, deveríamos servir à tarefa da consolidação, mas
também olhar para o futuro. É assim que o primeiro "porquanto"
da lei (de fundação) diz: "Porquanto: o cinema é uma arte". Declaração de princípios. O demais
não tem importância ou está dito
subtextualmente. Não há organismo de Estado que possa criar uma
cinematografia, mas, sim, pode
ajudar a criar um clima adequado,
uma atmosfera de criação e respeito que o propicie. Era essa a tarefa.
Folha - Para o senhor, o cinema
cubano pós-revolucionário é herdeiro da vanguarda de 1927?
Guevara - Não é só uma adesão
à vanguarda de 27, o é também aos
que sonharam e pensaram a pátria
também um século antes, como o
padre Félix Varela que iniciou os
estudos filosóficos e terminou independentista, Domingo Delmonte, que converteu sua tertúlia num
centro de reflexão sobre o que Cuba seria, José Antonio Saco, que
estudou a fundo o depravante fenômeno da escravidão do negro.
Eles primeiro, depois a vanguarda
de 27, buscaram os traços essenciais de nossa identidade.
Folha - É correta a versão de Paulo Paranaguá que vincula a reação
"stalinista" ao filme "Cecília", de
Humberto Solás, ao afastamento
do senhor da direção do ICAIC?
Guevara - Paulo Paranaguá deve ter informação confidencial
quando afirma isso. Saí do ICAIC
em outubro de 81 já nomeado embaixador na Unesco. Em 31 de dezembro daquele ano, na presença
de intelectuais cubanos e de Gabriel García Márquez, Fidel assinalou que "Alfredo não cometeu erro algum, o emprestei e o recupero
para o trabalho internacional".
Além disso, os supostos "stalinistas" não foram sequer isso, pois
não passavam de medíocres imitadores. Na verdade não me perturbam as interpretações -a verdade
é poliédrica.
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