São Paulo, quarta, 13 de agosto de 1997.



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CINEMA
Braço direito de Fidel Castro na política cinematográfica cubana pós-revolução recebe prêmio especial hoje
Guevara diz que Glauber estará presente

AMIR LABAKI
enviado especial a Gramado

Alfredo Guevara, 71, o braço direito de Fidel Castro na condução da política cinematográfica da Cuba pós-revolucionária, recebe hoje um Kikito especial do 25º Festival de Gramado-Cinema Latino e Brasileiro.
Perguntado pela Folha se repetirá o gesto que fez ao receber em 96 a medalha Federico Fellini da Unesco, quando dividiu o prêmio simbolicamente com Glauber Rocha, Guevara, visitando o país pela quarta vez, nada deixa escapar. "Glauber estará presente mesmo que eu não o mencione".
O presidente do ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos) e do Festival de Havana concedeu à Folha, por escrito, uma longa entrevista. A primeira parte foi publicada no último sábado. Na segunda e última parte, abaixo, Guevara comenta o atual boom em torno de Che Guevara (seu amigo mas não parente) e discute sua polêmica atuação em vários momentos da vida cultural cubana das últimas três décadas.

Folha - Como o senhor vê a atual moda Che?
Alfredo Guevara -
Che foi tão forte, seu esplendor é tão autêntico, que não poderá ser deformado ou esvaziado. Um escritor me disse, em 91, que uma editora o encarregara de escrever uma biografia de Che pois calculava que o retrocesso da esquerda teria de ser superado em tantos anos e que então, e este então é hoje, Che renasceria. Essa capacidade de cálculo, de tratar a figura dele como objetivo de marketing, me impactou duramente. Todos querem desnudar os atos, o pensamento de Che, encontrar fontes secretas ou caminhos que expliquem o que só tem uma explicação: isso é o que é ser revolucionário, é simples assim.
Folha - É fato que sua vinculação ao comunismo data já das atividades como líder estudantil?
Guevara -
Na minha vida privilegiei sempre a decisão de ser livre e autêntico; sou socialista. Quando conhecei Fidel eu era anarquista. E iniciava minha aproximação de Marx, não de seus intérpretes.
Folha - Qual foi sua participação no surgimento, em 1951, da Sociedade Cultural Nuestro Tiempo, fundamental na vida artística do pós-guerra?
Guevara -
Na verdade não participei do surgimento. Estava na época na Europa. Regressei a Cuba quando já tinham acontecido todas essas histórias.
Folha - Como surgiu o projeto do ICAIC?
Guevara -
Nos primeiros dias de 59 Fidel me disse: "Não podes pensar agora em cinema" e fixou minhas responsabilidades. Só me interessava, então, estar ao lado dele, ajudá-lo se pudesse. Quando me deu luz verde para fazer andar o cinema pensei antes de tudo que, na primeira etapa, deveríamos servir à tarefa da consolidação, mas também olhar para o futuro. É assim que o primeiro "porquanto" da lei (de fundação) diz: "Porquanto: o cinema é uma arte". Declaração de princípios. O demais não tem importância ou está dito subtextualmente. Não há organismo de Estado que possa criar uma cinematografia, mas, sim, pode ajudar a criar um clima adequado, uma atmosfera de criação e respeito que o propicie. Era essa a tarefa.
Folha - Para o senhor, o cinema cubano pós-revolucionário é herdeiro da vanguarda de 1927?
Guevara -
Não é só uma adesão à vanguarda de 27, o é também aos que sonharam e pensaram a pátria também um século antes, como o padre Félix Varela que iniciou os estudos filosóficos e terminou independentista, Domingo Delmonte, que converteu sua tertúlia num centro de reflexão sobre o que Cuba seria, José Antonio Saco, que estudou a fundo o depravante fenômeno da escravidão do negro. Eles primeiro, depois a vanguarda de 27, buscaram os traços essenciais de nossa identidade.
Folha - É correta a versão de Paulo Paranaguá que vincula a reação "stalinista" ao filme "Cecília", de Humberto Solás, ao afastamento do senhor da direção do ICAIC?
Guevara -
Paulo Paranaguá deve ter informação confidencial quando afirma isso. Saí do ICAIC em outubro de 81 já nomeado embaixador na Unesco. Em 31 de dezembro daquele ano, na presença de intelectuais cubanos e de Gabriel García Márquez, Fidel assinalou que "Alfredo não cometeu erro algum, o emprestei e o recupero para o trabalho internacional". Além disso, os supostos "stalinistas" não foram sequer isso, pois não passavam de medíocres imitadores. Na verdade não me perturbam as interpretações -a verdade é poliédrica.



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