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ANÁLISE
Processo de "abertura" sinaliza novos tempos
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Entre flamingos, carpas e
pinturas a óleo, artistas emocionados e políticos das mais variadas correntes do espectro ideológico prestaram suas últimas homenagens a Roberto Marinho,
morto na última quarta. Houve
luto oficial de três dias, Fidel Castro, fã das novelas brasileiras, enviou uma coroa de flores.
A quase unanimidade em torno
do jornalista empreendedor é sintomática do poder que a Globo
acumulou durante o seu longo
reinado. Agora os tempos são outros. A Globo passa por um profundo processo de "abertura". A
emissora busca se adequar às mudanças tecnológicas, culturais e
políticas em curso desde o final
dos anos 80. Embora esteja bem
colocado, o desafio não é trivial e
o resultado não está dado.
O mercado de televisão se diversificou. A TV mais popular do
país já não exerce o controle da
audiência que um dia conquistou.
A Globo sustenta um grupo endividado. Mas lidera as novas frentes. Veio o vídeo, o cabo, a internet. Está chegando a TV digital.
Discretamente a produção regional se fortalece. Surgem experiências, ainda limitadas, de produção
independente. A televisão, mesmo que timidamente, estimula
profissionais aptos a trabalhar a
interação com o cinema.
A grade de programação que
consagrou a emissora no início
dos anos 70 continua basicamente de pé, embora encarne mais as
glórias passadas. Mesmo que por
vezes flerte com o sensacionalismo que caracteriza algumas das
concorrentes, em geral, a emissora procura manter a linha.
Novelas já não polarizam como
antes, mas, na falta de alternativas, ainda expressam ansiedades
contemporâneas. São o feijão-com-arroz que continua a sustentar a casa.
Novos projetos atraem talentos
e preparam a emissora para as
transformações de produção e recepção que se avizinham. São formatos espalhados na grade, que
se aventuram, por exemplo, a veicular imagens de profissionais
desconhecidos com sotaques locais.
Há já uma experiência acumulada com seriados cômicos. Há
dramatização de histórias sugeridas por telespectadores. Há experiências pontuais de co-produção
com parceiros antigos como a Casa de Cinema de Porto Alegre. Há
equipes de pesquisa tecnológica,
que subsidiam gravações pioneiras em suporte digital.
A internet é usada para complementar notícias veiculadas pela
TV. A emissora recupera sua história, divulgando dados e material audiovisual. Assinantes do
portal globo.com podem também
acessar trechos de programas que
já foram ao ar, opção que prenuncia tempos em que a recepção simultânea poderá ficar restrita a
acontecimentos ao vivo.
Esses ensaios de mudança ocorrem no interior de uma empresa
menos centralizada. Núcleos de
produção, dirigidos por realizadores-autores se relacionam em
uma estrutura de rede, adequada
aos modelos democráticos contemporâneos.
A nova configuração exige posturas menos arrogantes, mais
abertas a parcerias e à convivência
com as diferenças. A Globo todo-poderosa morreu com dr. Roberto. Do presidente à dona-de-casa,
todos esperam que a emissora
consiga superar as dificuldades e
dar resposta aos novos desafios.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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