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São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2003

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ANÁLISE

Processo de "abertura" sinaliza novos tempos

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre flamingos, carpas e pinturas a óleo, artistas emocionados e políticos das mais variadas correntes do espectro ideológico prestaram suas últimas homenagens a Roberto Marinho, morto na última quarta. Houve luto oficial de três dias, Fidel Castro, fã das novelas brasileiras, enviou uma coroa de flores.
A quase unanimidade em torno do jornalista empreendedor é sintomática do poder que a Globo acumulou durante o seu longo reinado. Agora os tempos são outros. A Globo passa por um profundo processo de "abertura". A emissora busca se adequar às mudanças tecnológicas, culturais e políticas em curso desde o final dos anos 80. Embora esteja bem colocado, o desafio não é trivial e o resultado não está dado.
O mercado de televisão se diversificou. A TV mais popular do país já não exerce o controle da audiência que um dia conquistou. A Globo sustenta um grupo endividado. Mas lidera as novas frentes. Veio o vídeo, o cabo, a internet. Está chegando a TV digital. Discretamente a produção regional se fortalece. Surgem experiências, ainda limitadas, de produção independente. A televisão, mesmo que timidamente, estimula profissionais aptos a trabalhar a interação com o cinema.
A grade de programação que consagrou a emissora no início dos anos 70 continua basicamente de pé, embora encarne mais as glórias passadas. Mesmo que por vezes flerte com o sensacionalismo que caracteriza algumas das concorrentes, em geral, a emissora procura manter a linha.
Novelas já não polarizam como antes, mas, na falta de alternativas, ainda expressam ansiedades contemporâneas. São o feijão-com-arroz que continua a sustentar a casa.
Novos projetos atraem talentos e preparam a emissora para as transformações de produção e recepção que se avizinham. São formatos espalhados na grade, que se aventuram, por exemplo, a veicular imagens de profissionais desconhecidos com sotaques locais.
Há já uma experiência acumulada com seriados cômicos. Há dramatização de histórias sugeridas por telespectadores. Há experiências pontuais de co-produção com parceiros antigos como a Casa de Cinema de Porto Alegre. Há equipes de pesquisa tecnológica, que subsidiam gravações pioneiras em suporte digital.
A internet é usada para complementar notícias veiculadas pela TV. A emissora recupera sua história, divulgando dados e material audiovisual. Assinantes do portal globo.com podem também acessar trechos de programas que já foram ao ar, opção que prenuncia tempos em que a recepção simultânea poderá ficar restrita a acontecimentos ao vivo.
Esses ensaios de mudança ocorrem no interior de uma empresa menos centralizada. Núcleos de produção, dirigidos por realizadores-autores se relacionam em uma estrutura de rede, adequada aos modelos democráticos contemporâneos.
A nova configuração exige posturas menos arrogantes, mais abertas a parcerias e à convivência com as diferenças. A Globo todo-poderosa morreu com dr. Roberto. Do presidente à dona-de-casa, todos esperam que a emissora consiga superar as dificuldades e dar resposta aos novos desafios.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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