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Crítica/"Noite e Neblina"
Resnais leva à perplexidade em filme sobre o Holocausto
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
As gerações mais recentes conhecem o Holocausto-espetáculo de
Spielberg ("A Lista de Schindler"), o Holocausto burlesco
de Roberto Benigni ("A Vida É
Bela") e até mesmo o Holocausto populista de "Olga". Todos
eles nos desviam de um mesmo
assunto -o Holocausto- e,
pior, praticamente o reduzem a
uma ficção.
Por sorte, existem os 30 minutos de "Noite e Neblina"
(1955), que, com as nove horas
de "Shoah" (inédito entre nós),
recolocam as coisas em ordem.
Aqui, Alain Resnais nos restitui
nada menos que o Holocausto,
com uma das montagens mais
precisas do cinema moderno.
Daí nascer um filme desconcertante. À descrição minuciosa dos campos, com sua arquitetura, diversos departamentos, divisões sociais, clínicas e
prisões -feitas a partir das ruínas preservadas dos campos de
extermínio, dessas ruínas da
morte-, intercalam-se as imagens que Godard um dia, e para
sempre, definiu como pornográficas: as imagens dos prisioneiros, em filmes ou fotos, em
seu caminho para a morte. Os
cabelos ou óculos perdidos na
rota para o cadafalso.
A intercalação entre o presente (o de hoje ou qualquer
outro) e a memória deixa o espectador em estado de perplexidade e impotência. Elas são
signos do acontecido, do irreparável. Diante dessas imagens
só podemos chorar e lembrar.
Ou, antes, podemos chorar e
não podemos deixar de lembrar. Elas servem para isso. Para a memória. Para que o intolerável não se repita. Para que
alguns de nós, ao menos, nunca
mais aceitem a ordem unida.
São cenas documentárias, filmadas quase todas pelos próprios nazistas. Algumas pelas
tropas aliadas, ao chegarem.
Muitas delas nós já conhecemos. Continuam inacreditáveis, tão mais inacreditáveis
quanto carregam a evidência
do irrepresentável.
O que será isso? Um documentário? Um filme de terror?
(Que pensar da imagem da cabeça de mulher que vemos e
que, ao se distanciar, revela o
corpo diminuto, diminuído pela fome e pelo sofrimento? Que
pensar dos corpos dos homens
sem cabeça, de um lado, e do
cesto de cabeças, de outro?)
Um filme poético? Sim, pois em
vários momentos o texto de
Jean Cayrol, em sua beleza, nos
consola, nos lembrando da capacidade humana de superar a
própria monstruosidade.
E, sobretudo, este filme atualiza com rigor e poesia a brutalidade do maior de todos os desastres da guerra. "Noite e Neblina" é um filme que governos
responsáveis, em qualquer nível, deveriam tornar de visão
obrigatória para estudantes.
Poderia, em sua preciosa meia
hora de duração, ensinar algumas coisas sobre a vida, o sadismo, a irresponsabilidade.
Ensinaria, com certeza, a diferença que existe entre a arte,
marginal, do cinema e a arte
oficial da distração em que se
está transformando o cinema.
Duas questões conexas: 1)
Vale a pena comprar um filme
de 30 minutos pelo preço de
um longa? Vale, acho eu; 2) Os
extras correspondem à grandeza do filme? Não, já que dava
para buscar, no exterior, material complementar.
NOITE E NEBLINA
Direção: Alain Resnais
Distribuição: Aurora; R$ 30, em média
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