São Paulo, quarta-feira, 13 de agosto de 2008

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Comentário

Audácia impulsionou carreira de bailarina

CÁSSIA NAVAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma coreografia se compõe de muitos elementos; o principal deles: o bailarino, a partir de quem tudo se constrói -espetáculos, companhias, festivais, teatro, escola, faculdades-, estruturas que vão povoando de movimento a cultura do mundo.
Ivonice Satie, uma das grandes personalidades da dança deste país, era uma bailarina de traçado espacial forte, impulsionada pela audácia. Uma bailarina marcante, riscando o palco com inteligência.
Jamais perdida, a força motriz de sua dança foi temperada por um raro bom senso, que lhe permitiu uma carreira ímpar de empreendedora: inaugurou companhias e modificou grupos, mirando o futuro ancorada na bagagem que trazia de mestres e colegas.
Trabalhou no centro e na periferia, em grupos públicos e particulares, sua vocação para abertura de novas frentes, sendo conjugada com a preocupação com a formação de platéias, inquietações que conduziram seus grupos para fora de suas sedes, dançando em muitas partes e de várias maneiras.
Em uma carreira intensa, à coragem de suas ações somava-se, como herança de seus antepassados japoneses, a condução de uma dança guiada por uma visão histórica ampla, quase eterna.
Como os verdadeiros artistas da dança, ela tinha sido tocada pela eternidade, lá, no palco, em instantes nos quais tudo parece parar, o espaço do mundo cabendo dentro do corpo de cada um. Um momento fugaz, que muitas vezes temos o privilégio de vislumbrar, compartilhando públicos e artistas de um sentido de suspensão, fruto de vigorosa inversão de nosso cotidiano.
Ivonice Satie queria e lutou pela eternidade em vida. Como um "shogun" (guerreiro) do Brasil, ela sabia que a vida, mesmo a escoar-se por entre os nossos dedos, merece ser celebrada e respeitada como uma obra de arte.


CÁSSIA NAVAS é pesquisadora de dança da Unicamp e consultora do Teatro da Dança.


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