São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 2005

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CINEMA

Com Gaston Pauls, "Iluminados por el Fuego" aborda o conflito envolvendo as Ilhas Falkland e causa comoção nacional

Argentina revive o trauma das Malvinas

Divulgação
Cena do filme argentino "Iluminados por el Fuego", que retrata a derrota do país para o Reino Unido na Guerra das Malvinas, em 1982


MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

Passados mais de 20 anos, o cinema argentino resgata, em embalagem de grande produção, um dos temas mais sensíveis da história do país: a derrota na Guerra das Malvinas -a tentativa argentina de recuperar do Reino Unido o domínio das Ilhas Falkland- e seus devastadores efeitos sobre os ex-combatentes.
Dirigido por Tristán Bauer, "Iluminados por el Fuego", que estreou na última quinta-feira na Argentina, é sucesso de público (foi o filme mais visto do país no fim de semana) e crítica.
Conta a história da guerra, que aconteceu em 1982, pelo ponto de vista de um ex-combatente, que narra suas experiências e as de dois amigos durante os 74 dias de conflito. O narrador, Esteban, é enviado contra sua vontade para as ilhas quando tinha apenas 18 anos. Aos 40, revive todos os horrores do combate quando um dos seus companheiros durante o conflito tenta o suicídio.
É o momento em que o filme de Bauer toca em um dos pontos mais delicados: se 275 argentinos foram mortos nas ilhas entre abril e junho de 1982, de lá para cá um número maior, de 350 ex-combatentes, cometeu suicídio.
O filme foi baseado no livro homônimo do jornalista Edgardo Esteban, que lutou nas ilhas, interpretado na produção por Gaston Pauls, um dos protagonistas de "Nove Rainhas".
Além das conseqüências do conflito para os veteranos do regresso sem glória, "Iluminados" trata do pacto de silêncio que se impôs depois da derrota: os militares obrigaram os combatentes a assinar uma declaração onde se comprometiam a não contar o que tinham vivido nos dias de combate nas ilhas.
Uma versão inacabada do filme foi apresentada no ano passado no Festival de Cinema de San Sebastián, onde ganhou o Prêmio de Cinema em Construção.
O relato dos horrores enfrentados pelos soldados nas ilhas -os combates selvagens, o frio e a crueldade com que os próprios comandantes de tropas tratam seus subordinados- comoveu os argentinos, que vêm aplaudindo o filme ao final das sessões.
Para ter uma idéia da importância do tema para os argentinos, o filme rendeu a Bauer um encontro na última sexta-feira com o presidente Néstor Kirchner, que aparece na lista de agradecimentos. Na época das filmagens, Kirchner era governador da Província de Santa Cruz, onde foram rodadas algumas cenas.
O presidente argentino viu uma versão inacabada do filme, a que foi apresentada no Festival de Cinema de San Sebastián. Segundo a imprensa local, o chanceler argentino, Rafael Bielsa, teria ido às lágrimas ao também ver uma versão prévia em seu gabinete.
"Iluminados por el Fuego" custou 5 milhões de pesos (cerca de R$ 3,9 milhões), um orçamento considerado alto em comparação a filmes recentes produzidos na Argentina, mas baixo em relação à produções do gênero internacionais -"2 Filhos de Francisco", uma grande produção brasileira, custou R$ 11,8 milhões.
O filme tem capital 60% argentino e 40% espanhol. Teve seu direito de exibição comprado por uma distribuidora espanhola, mas ainda não há previsão de estréia em outros países. Segundo Bauer, o representante de um festival de cinema do Rio de Janeiro manifestou interesse em exibir a produção no Brasil.
O longa-metragem levou quatro anos para ficar pronto, mas as filmagens foram realizadas ao longo de 11 semanas. É o primeiro filme sobre o tema a ser filmado em parte nas ilhas, onde a equipe encontrou, no local dos combates, pertences dos soldados, como escovas de dentes e sapatos.
Não é a primeira vez que um filme sobre o conflito é realizado na Argentina: além de documentários, em 1984, logo depois do combate, foi filmado "Los Chicos de la Guerra", de Bebe Kamin.


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