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De olho no presente, Maria Antonia debate ensaio mais célebre de Roberto Schwarz
publicado há 30 anos sobre um certo país que não muda
As idéias voltam a seu lugar
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
As idéias, ao menos hoje, estarão no lugar. O Centro Universitário Maria Antonia, onde funcionava nos anos 60 a faculdade de
filosofia da USP, será às 20h palco
para o debate de uma de suas crias
mais engenhosas -"As Idéias
Fora do Lugar", ensaio do crítico
literário Roberto Schwarz, 65, que
completa 30 anos.
Síntese envenenada do trabalho
de uma geração de intelectuais
que renovou a interpretação da
história do Brasil, o texto -dinamite concentrada em 13 páginas- é uma espécie de lâmpada
mágica, a partir da qual o autor
iluminou não apenas a obra de
Machado de Assis, cuja grandeza
e novidade iria especificar depois,
mas as particularidades e o destino do próprio país -nação periférica na ordem internacional,
formada na convivência contraditória entre capitalismo e escravidão. Uma fratura exposta do capitalismo mundial.
Esses e outros nós que não nos
edificam -inclusive o que se pode pensar do Brasil atual a partir
da obra de Schwarz, por que
não?- estarão em evidência na
mesa de debates formada por três
renomados representantes da
ciência social uspiana: o sociólogo
Francisco de Oliveira, o historiador Fernando Novais e o filósofo
Paulo Arantes. Todos, craques de
uma certa dialética brasileira, estarão literalmente em casa, do que
pode derivar tanto a graça como
os eventuais limites da discussão.
Cultura do favor
Mas o que são, afinal, as "idéias
fora do lugar"? Em tradução pedestre, são as idéias da Europa oitocentista, como a igualdade perante a lei, a liberdade do trabalho, a autonomia do indivíduo, o
ethos burguês e demais itens do
arcabouço liberal que, transplantados para o Brasil pós-colonial,
um país de base escravista, soavam como um disparate. Nas palavras de Schwarz, se a ideologia
liberal na Europa "correspondia
às aparências, encobrindo o essencial -a exploração do trabalho"-, aqui "as mesmas idéias
seriam falsas em sentido diverso,
por assim dizer, original".
O argumento, porém, tem um
segundo passo, não menos importante. Além de proprietários e
escravos -relação produtiva decisiva-, o país contava ainda
com uma massa de "homens livres" e pobres, que dependiam
fundamentalmente do favor dos
de cima para ter acesso à vida social e aos bens materiais. "O agregado é a sua caricatura", afirma
Schwarz, para quem "o favor é a
nossa mediação quase universal".
(Podemos acrescentar, de passagem, que a figura da empregada
doméstica, se tem um lastro evidente no nosso passado escravocrata, é sobretudo o sucedâneo
atual mais bem acabado do agregado e da cultura do favor.)
Montada essa equação complexa, Schwarz conclui que o liberalismo entre nós, percebido como
fora do lugar, cumpria sua função
ao "racionalizar" o momento de
arbítrio que é próprio das relações
de favor. "Assim, com método,
atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho,
universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao
privilégio", diz o crítico.
Esse, de maneira muito breve, o
esquema armado pelo autor para
explicar nosso imbróglio, sobre o
qual Machado de Assis iria deitar
e rolar. Numa palavra, Schwarz
descobre nos romances de maturidade de Machado, notadamente
nas "Memórias Póstumas de Brás
Cubas", a formalização literária
do processo social brasileiro.
A começar pelo narrador que,
na sua volubilidade frenética, mimetiza o comportamento das elites locais, caracterizadas pelo vaivém incansável entre o respeito à
ordem burguesa e sua infração,
compondo um padrão de conduta que não se prende a nada, a não
ser aos seus próprios caprichos,
traço distintivo do paternalismo.
Nas palavras de Chico de Oliveira, "Machado alcança, a nos fiarmos em Roberto, um texto que
representa o caráter nacional. A
volubilidade do narrador é a volubilidade da sociedade brasileira".
Marxismo heterodoxo
"As Idéias Fora do Lugar" foi
publicado pela primeira vez em
1973 na revista "Estudos", do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise
e Planejamento), do qual Fernando Henrique Cardoso era já então
a principal figura. Em 1977, o ensaio reaparece em livro, como introdução de "Ao Vencedor as Batatas", primeira parte do estudo
sobre Machado, que seria concluído 13 anos depois, com "Um
Mestre na Periferia do Capitalismo", de 1990.
De todos os intelectuais de sua
geração, Schwarz é o que leva
mais longe a crítica ao país que
haviam, coletivamente, em grande medida redescoberto. A obra
posterior do autor, composta de
vários ensaios, pode ser vista como um contraponto cético ao espírito "industrializante" que ele
próprio identificou no grupo que
se reuniu em torno do Seminário
Marx, no final dos anos 50.
O ambiente desenvolvimentista
e a obsessão em achar uma saída
para o país reduziram o alcance
crítico da obra dos jovens intelectuais responsáveis pela incorporação heterodoxa do marxismo, à
luz das especificidades brasileiras.
Que o progresso, entre nós, siga
repondo sob novas formas o atraso que ele deveria extirpar, é algo
que deve se levar a sério para pensar o que foram os anos FHC e o
que insinuam ser os anos Lula.
"As Idéias Fora do Lugar" iluminam o que não muda no Brasil.
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