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Idéias de outro lugar contestam obra de Schwarz
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o liberalismo no Brasil do
século 19 "dava a impressão de
estar fora do lugar", como esclareceu Roberto Schwarz, não
era por se inserir em uma sociedade marcada pela escravidão, como defendia o crítico no
seu famoso ensaio.
Senão, como explicar que os
EUA de fins do século 18, que
fez a Revolução antes dos franceses, mas em perfeita convivência com o escravismo, não
tomasse como desgarrada sua
cria dileta (o ideário liberal)?
Manolo Florentino, um historiador da terra de Machado
de Assis, encontra solução ao
gosto da dubiedade própria ao
bruxo do Cosme Velho:
"Se no mundo anglo-saxão o
liberalismo não foi encarado
como uma doutrina fora do lugar, isso se deveu ao fato de que
os americanos fizeram o que as
colônias ibéricas jamais ousaram: considerar a escravidão
um estado natural, e o escravo
como não pertencente à ordem
do humano".
Sem desmerecer a crueldade
que nos é própria, só com esse
requinte, diz o professor da
UFRJ, foi possível a eles tornar
o liberalismo e o indivíduo (excluídos os negros dessa condição) faces de uma mesma moeda, ao mesmo tempo em bom
convívio com a escravidão.
A função do ideário liberal
nos trópicos seria, dizia o uspiano, a de "justificar" o "arbítrio" das relações sociais fundadas no favor, racionalizando-as. Por causa da escravidão,
que tinha como subproduto
um conjunto de "homens livres" -marginais em relação à
lógica do sistema-, muitos
dependiam das benesses dos
"grandes". Florentino ataca o
pressuposto e a consequência.
Começando pelo fim, ele reduz
a "função" do liberalismo a um
problema que em parte é da ordem da lógica -as relações
fundadas no favor não precisariam de justificativa, a não ser
sob o ponto de vista do próprio
liberalismo.
Isso "deriva da antiga tradição do marxismo de procurar
definir o objeto -no caso, o
Brasil- mais pelo que ele não
é do que em função do que
realmente o singulariza", diz.
E o liberalismo, então, esse
desgarrado? "Foi importante,
sim, mas no campo da economia, na medida em que legitimava a propriedade, inclusive
de escravos."
Uma objeção seria possível,
do ponto de vista da tradição
historiográfica da USP: os
EUA, afinal, teriam uma classe
de comerciantes -burgueses,
digamos- sólida, o que não
aconteceria no Brasil.
Mas o historiador fluminense, co-autor de uma teoria que
propõe novas explicações para
a economia colonial no país,
pesquisou e descobriu que
uma classe de comerciantes residentes no país desde pelo menos o século 18 negociava -escravos e outras mercadorias-,
acumulava financeiramente e
reinvestia por aqui.
Vão por terra muitos dos
pressupostos de Schwarz. O topo da hierarquia econômica no
país não era composto de fazendeiros, mas de grandes comerciantes. A lógica dessa sociedade não era fundada exclusivamente na relação centro-periferia com a Europa, tendo
como função a transferência de
recursos para a metrópole
-que ficava limitada pelo simples fato de que os comerciantes eram residentes na colônia.
A lógica dessa sociedade era a
da reprodução de uma estrutura hierárquica fundada no status da propriedade de terras e
escravos. Daí que os comerciantes mais tarde na vida imobilizassem suas fortunas comprando fazendas e negros. "Na
medida em que os dados empíricos não corroboram totalmente a realidade imaginada,
boa parte do raciocínio fica
comprometida", diz Florentino sobre Schwarz.
CONVERSAS LITERÁRIAS NA
MARIANTONIA. Quando: hoje, às
20h, no Centro Universitário Maria
Antonia (r. Maria Antonia, 294, Vila
Buarque, SP, tel. 0/xx/11/3255-7188).
Quanto: entrada franca.
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