São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jovem Stálin foi meio bandido, meio intelectual

Simon Sebag Montefiore foi até a Geórgia, onde descobriu documentos inéditos para escrever a biografia do ditador

Autor de livro sobre Stálin já lançado aqui, historiador britânico trata da juventude do ditador em nova obra, publicada no Reino Unido

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia abaixo trechos da entrevista que o historiador britânico Simon Sebag Montefiore concedeu à Folha, por e-mail, na qual ele conta como encontrou as evidências do "gangsterismo político" de Stálin. (SYLVIA COLOMBO)

 

FOLHA - Você joga luz no Stálin bom aluno, com habilidades de cantor e aplicado na formação intelectual. Costuma ouvir acusações de humanizá-lo?
SIMON SEBAG MONTEFIORE
- Não. Sempre quero apresentar o Stálin real. Se eu o mostrasse como um monstro gótico, mas sem talento, não aprenderíamos nada e não seria verdadeiro. Stálin e Hitler foram os maiores assassinos de massas da história. Mas ele também era um político de qualidades, gostemos disso ou não.
E o jovem Stálin foi, sim, um assaltante de bancos, um matador, um pirata e um terrorista, mas também um poeta, um garoto de coral na escola e depois aprendiz de padre. Era metade bandido, metade intelectual.

FOLHA - Assim como em "Stálin - A Corte do Czar Vermelho", você usou documentação nova. Por que ela estava ainda intocada? Os historiadores russos temem confrontar-se com seu passado?
MONTEFIORE
- Eu não sabia que ia encontrá-la. Esses documentos só recentemente foram abertos, eu simplesmente os encontrei quando comecei a pesquisa. Não acho que os historiadores russos fujam. Eles se concentram mais em Moscou e não deram bola para o que havia na Geórgia. É um lugar esquecido. E os arquivos trazem coisas impressionantes. Há memórias dos próprios gângsteres, por exemplo. Assim como os diários da mãe de Stálin. É muito excitante e dramático. Eu não parava de dizer para mim mesmo: "Que vida! Aventura, sexo e drama!"

FOLHA - Ao longo do livro, tem-se a impressão de que as palavras gangue e bandidagem são tão importantes quanto revolução. Você esperava isso?
MONTEFIORE
- Não. Depois de escrever "A Corte do Czar Vermelho", eu sabia que encontraria muita violência na sua juventude. Mas o gangsterismo político, a rede de crimes foram novidades excitantes.

FOLHA - Você diz que os documentos mostram que as personalidades de uma pequena oligarquia eram a essência da política russa sob Lênin e Stálin, assim como haviam sido sob os czares e, agora, sob os políticos do século 21. Acha que [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] segue uma tradição de liderança?
MONTEFIORE
- Não acho que Putin siga uma tradição de Lênin ou de Stálin, mas evidentemente ele está tentando fazer com que a Rússia seja mais forte. Stálin hoje está sendo reabilitado não como um líder comunista, mas como um czar e como um líder de guerra.

FOLHA - A descrição do assalto ao banco de Tbilisi, em 1907, que abre o livro, lembra o suspense que você usou no primeiro capítulo de "A Corte". Como historiador, quanto valoriza a narrativa?
MONTEFIORE
- Escrevo meus livros seguindo a lógica da minha pesquisa, mas me esforço em fazer com que sejam legíveis e divertidos, mesmo para aqueles que nunca lêem livros de história. É possível ler "Young Stálin" (jovem Stálin) como uma história de aventura, na tradição de Alexandre Dumas ("Os Três Mosqueteiros"). Mas também é uma biografia íntima, uma pré-história da União Soviética e uma explicação do que é a Rússia hoje.

FOLHA - Você se sentiu especialmente tocado pela sua poesia?
MONTEFIORE
- A poesia de Stálin é diferente, e os leitores vão ficar surpresos com sua delicadeza [leia ao lado].

FOLHA - Lênin considerava Stálin seu "expert no submundo". Se Stálin não tivesse existido, Lênin teria escolhido alguém como ele para fazer o trabalho sujo?
MONTEFIORE
- Exatamente. Lênin escolheu Stálin, promoveu-o. Assim como a Trótski, porque eram os mais talentosos e os mais cruéis.

FOLHA - Quando descreve a viagem de Stálin para Londres, você diz que "naquela época, como hoje, a cidade era um refúgio notório para extremistas assassinos". Você acha o governo britânico pouco eficiente com relação ao terrorismo?
MONTEFIORE
- O governo é brando com os extremistas islâmicos neste país. Tem medo de ofender a comunidade no geral.

FOLHA - Como a história de Stálin pode nos ajudar a entender o terrorismo dos dias de hoje?
MONTEFIORE
- Stálin é uma espécie de mistura de Tony Soprano [personagem do seriado "Os Sopranos"], com Osama Bin Laden. Operou como um terrorista da Al Qaeda, ao mesmo tempo que liderou uma quadrilha de gângsteres. Então penso que, sim, esta é uma anatomia de como um terrorista dos dias de hoje vive e trabalha.


Texto Anterior: Trechos
Próximo Texto: Stálin, o poeta
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.