São Paulo, sexta-feira, 13 de novembro de 2009

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Aperto digital

Cinemas do Brasil abandonam a película, mas usam sistema de baixa qualidade

Adriano Vizoni/ Folha Imagem
O projecionista Miciano Manoel da Silva, 42, entre o digital brasileiro (ao fundo) e o tradicional projetor de 35 milímetros, em SP

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Tanto no Cinemark, terra dos blockbusters, quanto no Reserva Cultural, espaço dos filmes de arte, dois equipamentos disputam espaço na cabine de projeção. Onde antes havia apenas o gigante projetor de 35 milímetros, com películas a girar pelos pratos, teve de caber também um projetor comandado por um computador.
"Quando comecei, usava carvão pra iluminar a tela. Agora, no digital, é só apertar o play. Perdeu toda a magia", descreve o projecionista Miciano da Silva, do Reserva. Mas, queiram os amantes da película ou não, a transição é um caminho sem volta - e com algumas pedras.
Se no mundo todo o processo tem sido marcado por certa confusão e muita disputa comercial, no Brasil há um grande espaço vazio a ser ocupado e uma ausência de regras que começa a causar transtornos.
"Tenho quatro salas e oito projetores", diz, espantado com o próprio negócio, Jean-Thomas Bernardini, do Reserva. "Estamos mandando nossos técnicos fazer faculdade de engenharia elétrica ou eletrônica. O cinema está deixando de ser mecânico", constata Marcelo Bertini, do Cinemark.
Há, porém, uma diferença fundamental entre os dois cinemas. O Cinemark usa o sistema DCI (Digital Cinema Iniciative), acordado pelas sete grandes distribuidoras mundiais.
No Reserva, existe o sistema Rain, criado no Brasil e recusado por Hollywood. Enquanto o DCI tem projetores de capacidade 2K, o sistema Rain trabalha com 1,3K. A diferença estende-se para luminosidade, segurança antipirataria e som.
Pois é esse sistema nativo que está em xeque. "Conforme chegam os projetores 2K, fica evidente a limitação. Fora daqui, o sistema Rain nem é considerado digital", diz Rodrigo Saturnino Braga, da Sony Pictures. As falhas originaram até um manifesto assinado por críticos inconformados com o que aconteceu a "Ervas Daninhas", de Alain Resnais, no Festival do Rio. A versão digital do filme chegou com formato e condições técnicas alteradas.
Ao ouvir os envolvidos no episódio - a Rain, o distribuidor e o responsável pela sala - , fica claro que não houve um só responsável, e sim uma sequência de falhas, que apenas evidencia os nós do sistema.
"A ausência de normas técnicas para o digital no Brasil fez com que o sistema se desenvolvesse sem alguns cuidados. Como se vai medir a luz necessária se não existe um padrão?", avalia Luiz Gonzaga de Luca, autor do livro "A Hora do Cinema Digital" (Imprensa Oficial).
O padrão internacional, por outro lado, tem se mostrado inviável. "Um projetor chega ao Brasil 80% mais caro do que nos EUA, e a arrecadação de uma sala, em dólar, é 50% menor", contabiliza Bertini.
A saída? "O digital só se rentabiliza com o 3D", responde Adhemar Oliveira, da rede Arteplex, que tem os três tipos de projetor: Rain, 2K e de 35 milímetros. No Brasil, as 79 salas que aderiam ao DCI projetam filmes em 3D. Ou seja, o espectador, aqui, ainda desconhece os filmes tradicionais projetados no digital mais sofisticado.
Para os filmes em 2D, resta, por ora, a Rain. "EUA, Europa, Ásia e até o México estão entrando na transição", diz Braga. "Estamos ficando atrasados."


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