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livros
CRÍTICACONTO
Dor, culpa e morte perpassam as histórias de Julio Cortázar
Coletânea inclui conto que inspirou o filme "Blow Up", de Antonioni
MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Volta pelo selo Civilização
Brasileira a tradução de Eric
Nepomuceno para "As Armas Secretas", conjunto de
cinco contos publicados originalmente pelo escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984).
Na época, o autor ainda
não havia atingido a notoriedade que lhe granjearia seu
romance, ou antirromance,
"O Jogo da Amarelinha", de
1963. Numa palestra um pouco anterior, feita em Cuba,
ele conta que, mesmo na Argentina, chegavam a confundi-lo com outros escritores.
Fazia alguns anos que se
radicara em Paris e dizia sentir-se como um fantasma.
Não por acaso, todas as histórias do livro se passam na
capital francesa.
E, expatriados ou não, os
personagens também aparecem deslocados da realidade. Todos eles, mesmo a criada Francinet, de "Os Bons
Serviços", guardam certa
"qualidade espectral", uma
característica que Cortázar
atribuiu ironicamente a si
mesmo naquela conferência
cubana.
O dado fantasmagórico
percorre o primeiro conto do
volume, "Cartas de Mamãe",
em que a dor e a culpa pela
morte de um ente querido
ameaçam materializar-se como presença rediviva.
Mas é em "O Perseguidor",
quase uma novela por causa
de sua extensão, que a figura
central personifica a ideia do
fantasma ou da morte.
O saxofonista Johnny Carter executa de vez em quando
brilhantes improvisações
jazzísticas, enquanto afunda
numa existência atormentada e miserável.
Johnny ressente-se, entre
outras coisas, da biografia
que o narrador lhe dedicara,
na qual este último teria se
esquecido de um detalhe: o
próprio biografado não se vê
retratado nela.
Os limites da representação e o alcance da arte numa
era de contornos alucinados
retornam em "As Babas do
Diabo", sobre um tradutor e
fotógrafo franco-chileno que
crê ter presenciado uma cena
num certo domingo no parque e, ao ampliar as fotos tiradas no local, percebe que o
que "então havia imaginado
era muito menos horrível que
a realidade".
O conto serviu de inspiração para "Blow Up" (1966),
do italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007) (no Brasil, ganhou o horrível título
"Depois Daquele Beijo"), um
dos mais extraordinários filmes sobre os rumos emaranhados da sociedade.
Se as relações entre o niilismo pós-moderno e a realidade alucinada ficam mais
evidentes na película de Antonioni, não há como negar
que há algo na "vida entre
parênteses, divorciada da
frase principal" (na expressão do protagonista de "Cartas de Mamãe" e válida para
muitos dos personagens de
Cortázar) que denuncia os sinais sutis, mas inequívocos,
de que a barbárie vinha se
instalando a passos largos no
centro da civilização.
Ponto para o argentino.
MARCELO PEN é professor de teoria
literária da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP
AS ARMAS SECRETAS
AUTOR Julio Cortázar
TRADUÇÃO Eric Nepomuceno
EDITORA Civilização Brasileira
QUANTO R$ 29 (192 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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