DA REDAÇÃO

As dores de amor e a melancolia já serviram de inspiração para alguns dos momentos mais dilacerantes da música pop; há, no entanto, um seleto grupo de artistas que conseguem, antes de mais nada, a proeza de sofrer com a maior classe do mundo.
Na linha de frente de tal estética, antes de mais nada espiritual, está a cantora Beth Gibbons, que desde 1994 desconcerta o público com o grupo inglês Portishead -cuja música "Glory Box", ironicamente, já serviu de trilha para uma campanha televisiva anti-suicídio.
Após quatro anos sem gravar um novo disco, Gibbons lança "Out of Season", seu primeiro trabalho fora da banda, em parceria com o ex-integrante do Talk Talk Paul Webb, que agora adota o codinome Rustin Man.
Enquanto no Portishead as letras desesperadas e o vocal sofredor de Gibbons eram amparados por uma sombria sonoridade eletrônica -o trip hop da "turma de Bristol"-, aqui ela volta ao conceito inicial de sua carreira musical, mais voltada ao folk, quando cantava em bares ingleses de quinta categoria. Nico e Joni Mitchell são as lembranças imediatas.
Não há nada de moderno no disco: com exceção de alguns discretos efeitos de estúdio, predominam instrumentos como piano, violão e violino, tudo o mais rústico possível.
"Usamos apenas referências antigas, queríamos que o projeto soasse como um disco que pudesse ter sido gravado há 40 anos, sem tecnologia atual", diz em entrevista à Folha o parceiro musical de Gibbons no projeto, Paul Webb. "Não faço idéia de como são as músicas atuais de sucesso, não ouço rádio."
Webb explica que o "fora da estação", ao qual o título do álbum se refere, pode ser entendido de diferentes maneiras. "Estamos fora de época, Beth e eu não somos mais jovens; o disco não é moderno, muitas partes foram gravadas em paisagens rurais da Inglaterra, longe do caos urbano", explica o músico.
Devido à esses fatores, "Out of Season" pode, inicialmente, parecer uma ruptura com o projeto mais famoso de Gibbons. No entanto, o disco, que tem a participação do Portishead Adrian Utley, é apenas uma continuação natural de sua carreira. Antes mesmo de lançar o primeiro disco com o Portishead, Gibbons já havia feito um teste no começo dos anos 90 para entrar na então banda de Webb, o O'Rang.
"Na época, um amigo me entregou uma fita com ela cantando músicas de Janis Joplin. Fiquei muito impressionado com sua voz, mas ela acabou entrando no Portishead. Continuamos amigos e, quando surgiu a oportunidade, em 1998, ela me procurou para gravarmos esse disco. Estava um pouco cansada do Portishead e queria fazer algo diferente", explica Webb.
Em cada música, Gibbons encarna um personagem, adotando diferentes tonalidades de voz. "O disco demorou muito tempo [quatro anos] para ficar pronto. Uma das razões foi porque tentávamos achar o tom certo para a voz de Beth, que é muito poderosa. Tentamos fazer algumas músicas mais felizes, mas elas acabavam ficando do jeito que ficaram", completa.
Quanto ao futuro da parceria, Webb diz que tudo ainda é incerto. "Temos vinte shows marcados, que vão rodar a Inglaterra. Ainda não sei se vamos fazer outros discos juntos porque após a turnê, ela vai entrar em estúdio para gravar o novo [terceiro] disco do Portishead." (BRUNO YUTAKA SAITO)


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