São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"OS CEM PASSOS"

Longa italiano refaz trajetória de militante contra a máfia

Cineasta não é revolucionário e ousado como seu personagem

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

De início, o filme de Marco Tullio Giordana não deixa de nos remeter ao imaginário do cinema ítalo-americano: numa varanda siciliana, a máfia se reúne para receber um sócio americano. Neto predileto de um "godfather" bonachão, o garoto Peppino Impastato é celebrado por todos como a promessa de um futuro brilhante para a "famiglia".
O prólogo de "Os Cem Passos", nesse sentido, não passa de uma pista falsa. A trajetória de Impastato se revela inversa à de Michael Corleone, o personagem de Al Pacino na trilogia de Coppola e Mario Puzo ("O Poderoso Chefão"). Michael se reconciliava com a família e a tradição.
Já a história (real) de Peppino Impastato é a de uma ruptura irreconciliável. Sob a influência de um velho comunista, estóica voz de oposição ao domínio da máfia na Sicília, Peppino, tornado militante do Partido, vira uma pedra no sapato da "famiglia". Como o personagem alter ego do diretor Bernardo Bertolucci em "Antes da Revolução", Impastato rompe, sob a tutela de um solitário intelectual de esquerda, com as tradições de uma sociedade provinciana, na Itália dos anos 60.
É o espírito romântico-revolucionário dessa geração que Peppino incorpora em sua heterodoxa militância. Adotando estratégias caras à juventude de 60/70, o teatro de protesto, a sátira radiofônica, Peppino começa a incomodar o patriarcado local. Ele deixa, então, de ser uma promessa para se tornar uma ameaça para o futuro da máfia.
Sua ruptura será dupla, de acordo com os dois sentidos da palavra "famiglia" em italiano, uma vez que seu conflito com o poder da máfia e com a índole corrompida da sociedade siciliana acaba redundando num progressivo e inevitável rompimento com o pai.
O título do filme se refere à distância entre a casa da família Impastato e a casa do novo chefe da máfia, sucessor do avô assassinado de Peppino.
Ultrapassando esse limite, que demarca a esfera de influência do pai e do "godfather", o Deus pai, Peppino começa a cumprir a sua vocação de mártir político. Nesse sentido, os "cem passos" do filme de Giordana também dizem respeito à via-crúcis do personagem, mais um inquebrantável espírito utopista dos anos 60 cuja história verdadeira faltava contar. Uma pena que o cineasta não seja tão ousado em sua direção quanto Peppino Impastato foi na vida.

Os Cem Passos
I Cento Passi
  



Direção: Marco Tullio Giordana
Produção: Itália, 2000
Com: Luigi Lo Cascio e Lucia Sardo
Quando: a partir de hoje nos cines Frei
Caneca Unibanco Arteplex 1 e Sala UOL de Cinema


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