São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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Gênero comete crueldade, diz especialista

Para Laurindo Lalo Leal Filho, da USP, novos quadros são assistencialismo sofisticado, sem mostrar desgraças cruas

Homero Salles, diretor do Gugu, diz que programa é "solidário", e que desejo de ter casa própria substitui o sonho do carro atualmente

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de se mostrarem ao público como atrações beneficentes, os quadros que envolvem transformações escondem a realidade da escolha dos personagens beneficiados, diz Laurindo Lalo Leal Filho, professor de comunicação da USP e ouvidor da TV Brasil.
Para ele, "há uma falsidade desses programas, que são cruéis na relação com o público", pois as histórias têm que ter possibilidade de conquistar audiência, por meio de narrativa dramática e dramatúrgica. "Esse é o verdadeiro critério de seleção", explica.
Roberto Manzoni, o Magrão, diretor do "Domingo Legal" (SBT), que promove o quadro "Construindo um Sonho", é o único envolvido nas produções a admitir que as escolhas são baseadas em dois critérios: devem ser boas para o programa, de forma a serem contadas na TV de forma atrativa e com mais emoção, e ao mesmo tempo atender com sucesso aos necessitados de uma mudança.
Este último critério, que sugere a meritocracia na seleção dos personagens e que é apontado como decisivo pelos outros dois grandes programas ("Caldeirão do Huck" e "Programa do Gugu"), também é questionado por Leal Filho.
"Tenho certeza de que a maior parte dos que se dispõem a escrever para esses quadros precisam, necessitam, de uma mudança. Mas, fora os escolhidos, todos os outros continuam a viver sem nenhuma atenção."
Ainda, Leal Filho destaca que, caso os programas realmente desejassem fazer caridade, deveriam ter um olhar mais amplo, dedicado a favorecer o maior número possível de candidatos -que não são poucos.
Em 2008, foram enviadas cerca de 300 mil cartas candidatando-se para receber a transformação de casas do Lar Doce Lar, apresentado por Luciano Huck. Desde 2006, foram feitas aproximadamente 40 edições desse quadro.

Assistencialismo "soft"
O professor da USP ressalta que o assistencialismo sempre fez parte da TV brasileira (leia quadro acima), mas que a diferença dos atuais quadros é uma certa sofisticação. "Hoje, não se dá mais uma cadeira de rodas, não se mostra a desgraça crua; há uma nova roupagem, com base na TV americana."
Com um relativo aumento do poder aquisitivo do telespectador, notado pelo acesso de classes mais baixas a alguns bens de consumo, houve a necessidade de adequar o conteúdo ao público da TV, diz Leal Filho.
Homero Salles, diretor do "Programa do Gugu", entende que hoje o sonho do carro está banalizado, mas a casa própria segue como o desejo de todas as classes sociais, e por isso o maior impacto na audiência.
Para ele, o programa não é assistencialista, mas solidário. Luciano Huck também rejeita o rótulo: "Tenho absoluta convicção de que não é assistencialismo. Nunca tripudiei do sofrimento de ninguém".
Leal Filho especula três motivos que prendem a atenção do telespectador: o voyeurismo, "uma vida cotidiana dramática e bem editada", a tendência de acompanhar dramas pessoais, em uma espécie de catarse, e, por fim, a falta de alternativas. (RODRIGO RUSSO)


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