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Gênero comete crueldade, diz especialista
Para Laurindo Lalo Leal Filho, da USP, novos quadros são assistencialismo sofisticado, sem mostrar desgraças cruas
Homero Salles, diretor do Gugu, diz que programa é "solidário", e que desejo de ter casa própria substitui o sonho do carro atualmente
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de se mostrarem ao
público como atrações beneficentes, os quadros que envolvem transformações escondem
a realidade da escolha dos personagens beneficiados, diz
Laurindo Lalo Leal Filho, professor de comunicação da USP
e ouvidor da TV Brasil.
Para ele, "há uma falsidade
desses programas, que são
cruéis na relação com o público", pois as histórias têm que
ter possibilidade de conquistar
audiência, por meio de narrativa dramática e dramatúrgica.
"Esse é o verdadeiro critério de
seleção", explica.
Roberto Manzoni, o Magrão,
diretor do "Domingo Legal"
(SBT), que promove o quadro
"Construindo um Sonho", é o
único envolvido nas produções
a admitir que as escolhas são
baseadas em dois critérios: devem ser boas para o programa,
de forma a serem contadas na
TV de forma atrativa e com
mais emoção, e ao mesmo tempo atender com sucesso aos necessitados de uma mudança.
Este último critério, que sugere a meritocracia na seleção
dos personagens e que é apontado como decisivo pelos outros dois grandes programas
("Caldeirão do Huck" e "Programa do Gugu"), também é
questionado por Leal Filho.
"Tenho certeza de que a
maior parte dos que se dispõem
a escrever para esses quadros
precisam, necessitam, de uma
mudança. Mas, fora os escolhidos, todos os outros continuam
a viver sem nenhuma atenção."
Ainda, Leal Filho destaca
que, caso os programas realmente desejassem fazer caridade, deveriam ter um olhar mais
amplo, dedicado a favorecer o
maior número possível de candidatos -que não são poucos.
Em 2008, foram enviadas
cerca de 300 mil cartas candidatando-se para receber a
transformação de casas do Lar
Doce Lar, apresentado por Luciano Huck. Desde 2006, foram
feitas aproximadamente 40
edições desse quadro.
Assistencialismo "soft"
O professor da USP ressalta
que o assistencialismo sempre
fez parte da TV brasileira (leia
quadro acima), mas que a diferença dos atuais quadros é uma
certa sofisticação. "Hoje, não se
dá mais uma cadeira de rodas,
não se mostra a desgraça crua;
há uma nova roupagem, com
base na TV americana."
Com um relativo aumento do
poder aquisitivo do telespectador, notado pelo acesso de classes mais baixas a alguns bens de
consumo, houve a necessidade
de adequar o conteúdo ao público da TV, diz Leal Filho.
Homero Salles, diretor do
"Programa do Gugu", entende
que hoje o sonho do carro está
banalizado, mas a casa própria
segue como o desejo de todas as
classes sociais, e por isso o
maior impacto na audiência.
Para ele, o programa não é assistencialista, mas solidário.
Luciano Huck também rejeita
o rótulo: "Tenho absoluta convicção de que não é assistencialismo. Nunca tripudiei do sofrimento de ninguém".
Leal Filho especula três motivos que prendem a atenção do
telespectador: o voyeurismo,
"uma vida cotidiana dramática
e bem editada", a tendência de
acompanhar dramas pessoais,
em uma espécie de catarse, e,
por fim, a falta de alternativas.
(RODRIGO RUSSO)
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