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Inglesa provoca valores orientais e obsessões ocidentais
Filha de muçulmanos, a artista plástica Sarah Maple, 24, usa
burcas e seios de plástico para questionar opressão feminina
Premiada em concurso do
megacolecionador Charles
Saatchi, jovem ganha
individual em Londres antes
de se mudar para Nova York
MARIANNE PIEMONTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM
LONDRES
Jacques Derrida, filósofo
francês, dizia que o futuro sempre se apresenta sob a forma da
monstruosidade. Esta pode ser
uma tese para explicar o tijolo e
os ovos atirados na escuridão
da noite contra a vitrine da Galeria Salon, no bairro de Notting Hill, em Londres. À luz do
dia, as vidraças deixam transparecer o que Derrida dizia ser
"monstruoso". Neste caso, as
telas de Sarah Maple, 24.
O trabalho de Sarah, filha de
uma família mulçumana, questiona as diferenças culturais
entre Ocidente e Oriente. Sua
avó usava burca. Um de seus
quadros mais controvertidos e
comentados é um retrato dela
mesma, numa burca negra,
com um broche com o escrito:
"Eu (coração) orgasmos".
Sua mãe, que migrou de Nairóbi (Quênia) para Londres aos
dez anos e trabalha como contadora, não usa burca nem hijab (o véu que esconde os cabelos), mas demorou uns dias para entender o trabalho da filha.
"Ela não ficou chateada com
os meus questionamentos à religião", disse à Folha em uma
entrevista no subsolo da galeria. "Ela não gostou de "Estou
Usando Minha Inteligência"."
Esta é uma tela em que a artista
se pinta nua, com placas com
essa frase escondendo o sexo.
"Isso ela não entendeu", diz Sarah, uma artista ousada, mas
que, na intimidade, tem gestos
de garota: ao falar da mãe, torce
os pés para dentro (calçados
num All Star amarelo).
Sarah acredita que existam
mulheres felizes usando burca
e diz que no Ocidente elas sofrem uma espécie de opressão
invisível, que, segundo a artista, é ainda mais cruel. "Veja um
comercial de moda e de produtos de beleza! E essa história de
ser bem-sucedido profissionalmente, isso é terrível", diz.
Há dois anos, ela ganhou o
prêmio de revelação numa
competição de artes realizada
pelo canal de televisão Channel
4 em parceria com Charles
Saatchi, colecionador que
apoiou os Jovens Artistas Britânicos, grupo dos anos 90 que
teve como expoente Damien
Hirst. Desde então, as telas
com temas polêmicos vêm ganhando repercussão no Reino
Unido e em Nova York.
Todas as telas da exposição
de Sarah, a primeira solo da artista, foram compradas por
preços que variaram entre R$
15 mil e R$ 150 mil. "Nada mau
para uma iniciante", disse Samir Ceric, galerista da Salon.
No último dia 17, o nome de
Sarah voltou aos jornais. Era
aniversário de 40 anos da Página 3, a famosa página do tabloide "The Sun" que traz garotas
de topless. Sarah criou uma Página 3 falsa, em que ela se fotografou com seios fajutos de
plástico e imensos, na frente do
corpo. As mil peças dessa página foram colocadas sorrateiramente no lugar da verdadeira,
por um grupo de 50 pessoas,
nos principais postos de distribuição de jornal da cidade, antes das sete da manhã.
Toda a performance foi filmada e pode ser vista no YouTube. "Eu segurando esses peitos falsos é ainda mais ridículo
do que uma mulher com seus
peitos reais de fora", disse.
O crítico de arte do jornal
"The Independent" anunciou
que Tracey Emin, a menina má
da arte britânica, perdera o trono. "Sem dúvida, Sarah Maple é
uma das artistas da nova geração britânica que se tornarão
internacionais", diz Sarah
Sparkes, curadora da Central
St. Martins, da Universidade de
Artes de Londres.
Em 2010, a artista inglesa
mudará de estúdio e cuia para
Nova York, onde preparará
uma exposição que deve acontecer em março.
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