São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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Inglesa provoca valores orientais e obsessões ocidentais

Filha de muçulmanos, a artista plástica Sarah Maple, 24, usa burcas e seios de plástico para questionar opressão feminina

Premiada em concurso do megacolecionador Charles Saatchi, jovem ganha individual em Londres antes de se mudar para Nova York

MARIANNE PIEMONTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES

Jacques Derrida, filósofo francês, dizia que o futuro sempre se apresenta sob a forma da monstruosidade. Esta pode ser uma tese para explicar o tijolo e os ovos atirados na escuridão da noite contra a vitrine da Galeria Salon, no bairro de Notting Hill, em Londres. À luz do dia, as vidraças deixam transparecer o que Derrida dizia ser "monstruoso". Neste caso, as telas de Sarah Maple, 24.
O trabalho de Sarah, filha de uma família mulçumana, questiona as diferenças culturais entre Ocidente e Oriente. Sua avó usava burca. Um de seus quadros mais controvertidos e comentados é um retrato dela mesma, numa burca negra, com um broche com o escrito: "Eu (coração) orgasmos".
Sua mãe, que migrou de Nairóbi (Quênia) para Londres aos dez anos e trabalha como contadora, não usa burca nem hijab (o véu que esconde os cabelos), mas demorou uns dias para entender o trabalho da filha.
"Ela não ficou chateada com os meus questionamentos à religião", disse à Folha em uma entrevista no subsolo da galeria. "Ela não gostou de "Estou Usando Minha Inteligência"." Esta é uma tela em que a artista se pinta nua, com placas com essa frase escondendo o sexo. "Isso ela não entendeu", diz Sarah, uma artista ousada, mas que, na intimidade, tem gestos de garota: ao falar da mãe, torce os pés para dentro (calçados num All Star amarelo).
Sarah acredita que existam mulheres felizes usando burca e diz que no Ocidente elas sofrem uma espécie de opressão invisível, que, segundo a artista, é ainda mais cruel. "Veja um comercial de moda e de produtos de beleza! E essa história de ser bem-sucedido profissionalmente, isso é terrível", diz.
Há dois anos, ela ganhou o prêmio de revelação numa competição de artes realizada pelo canal de televisão Channel 4 em parceria com Charles Saatchi, colecionador que apoiou os Jovens Artistas Britânicos, grupo dos anos 90 que teve como expoente Damien Hirst. Desde então, as telas com temas polêmicos vêm ganhando repercussão no Reino Unido e em Nova York.
Todas as telas da exposição de Sarah, a primeira solo da artista, foram compradas por preços que variaram entre R$ 15 mil e R$ 150 mil. "Nada mau para uma iniciante", disse Samir Ceric, galerista da Salon.
No último dia 17, o nome de Sarah voltou aos jornais. Era aniversário de 40 anos da Página 3, a famosa página do tabloide "The Sun" que traz garotas de topless. Sarah criou uma Página 3 falsa, em que ela se fotografou com seios fajutos de plástico e imensos, na frente do corpo. As mil peças dessa página foram colocadas sorrateiramente no lugar da verdadeira, por um grupo de 50 pessoas, nos principais postos de distribuição de jornal da cidade, antes das sete da manhã.
Toda a performance foi filmada e pode ser vista no YouTube. "Eu segurando esses peitos falsos é ainda mais ridículo do que uma mulher com seus peitos reais de fora", disse.
O crítico de arte do jornal "The Independent" anunciou que Tracey Emin, a menina má da arte britânica, perdera o trono. "Sem dúvida, Sarah Maple é uma das artistas da nova geração britânica que se tornarão internacionais", diz Sarah Sparkes, curadora da Central St. Martins, da Universidade de Artes de Londres.
Em 2010, a artista inglesa mudará de estúdio e cuia para Nova York, onde preparará uma exposição que deve acontecer em março.


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