São Paulo, Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2000


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MÚSICA
Cantor e compositor americano, que lança "Midnite Vultures", mantém planos de shows no Brasil
Se fosse MC, colocaria seios, diz Beck

MARCELO NEGROMONTE
da Redação


Apesar de ter se aproximado da música brasileira, no seu penúltimo álbum, "Mutations", e de ter participado do show de Caetano Veloso em julho, em Nova York, o cantor e compositor californiano Beck, 29, solta todas as amarras no último "Midnite Vultures".
Diferentemente de "Mutations", disco quase acústico, intimista, simples, com bossa nova ("Tropicalia") e considerado um álbum fora da discografia oficial do artista, "Midnite Vultures" explode em funk, hip hop, electro, rock e, em tese, é o sucessor de "Odelay" (96). Aqui, Beck quer "desafiar a lógica das leis sexuais" ("Sexx Laws").
Lançado em novembro nos EUA, "Midnite Vultures" vendeu mais de 500 mil cópias no país, segundo a revista "Billboard". E "Mutations" concorre ao Grammy deste ano na categoria Melhor Performance de Música Alternativa -Beck já levou os Grammy, na mesma categoria, com "Odelay", e Melhor Cantor de Rock, com "Where It's At", ambos em 97.
Esquizofrênico e original desde o primeiro álbum "Golden Feelings", de 93 (leia quadro abaixo), Beck passeia por vários gêneros, não se apega a nenhum deles e diz que isso é o que o mantém são, o faz "sair de sua própria cabeça". Uma fuga desesperada de rótulos ou pura genialidade pop?
Em entrevista feita por telefone anteontem, Beck afirma que gostaria de ouvir os rappers Puff Daddy e Master P cantando o que ele canta ("mas isso nunca vai acontecer") e mantém seus planos de vir ao Brasil, o que aconteceria no ano passado, "mas para passar ao menos uma semana".
Entrevista que durou apenas e exatos nove minutos, por imposição da gravadora Universal, e que foi interrompida bruscamente por uma funcionária da empresa, em Miami, falando em português, alegando que Beck "teria outras entrevistas a dar". Leia abaixo a íntegra da conversa.

Folha - Há pouco mais de um ano, você afirmou que viria ao Brasil em 99. O que deu errado?
Beck -
É que naquela época pensava que "Midnite Vultures" ia ser lançado no verão (meados do ano passado), mas fiquei trabalhando no disco até outubro, até três semanas antes de ele ser lançado (em 23 de novembro, nos EUA). Foi um disco muito, muito difícil de fazer. Durou mais tempo do que o previsto.

Folha - Mas ainda há planos? Este ano?
Beck -
Sim, claro que há. Quero ir este ano... É uma questão de tempo disponível. Eu posso facilmente passar quatro dias, mas prefiro passar uma semana ao menos.

Folha - Na sua última entrevista à Folha, você disse que, quando estava depressivo ou frágil, fazia músicas bombásticas e depressivas. É o caso de "Midnite Vultures"?
Beck -
Não sei, não sei. Definitivamente, sou uma pessoa reflexiva. Sou muito mais sério que minha música. Acho que a música que faço funciona como um escape para mim. Me ajuda a sair de mim mesmo. Me ajuda a me purificar. Não gosto de ficar apenas na minha cabeça... Fico muito denso quando penso (risos).

Folha - "Midnite Vultures" é o disco em que você parece querer mais do que nunca tentar confundir as pessoas, misturando idéias, conceitos e sons em uma intensidade que você não fizera antes. É isso mesmo?
Beck -
Não sei se quero alienar as pessoas. Eu só quero purificá-las por meio das emoções, fazer algo que reflita o que de fato é, de modo único.

"Sou muito mais sério que a música que faço. Ela ajuda a me purificar"


Folha - Apesar de uma de suas características marcantes ser a mistura -ou a utilização de elementos (aparentemente) díspares- na música, nesse disco parece que foi elevado à potência máxima, com funk, rock, blues, electro etc. ao mesmo tempo. Você não acha que isso, o excesso de referências -não só musicais-, pode ser considerado simplesmente bobo? Ou isso é terreno propício para pensar com mais agudez?
Beck -
Eu acho que um escritor escreve um livro do qual ele sente falta. Músicos, que são verdadeiramente inspirados e amam música, tentam fazer discos que não maculem a música. Bem, nós criamos nosso mundo.
Geralmente quando faço um disco, é o meu ponto de vista de como a música pop deveria ser. Quando faço um rap como esse (o trecho final de "Milk & Honey"), é o que imagino Puff Daddy cantando, é o que gostaria que Master P dissesse.
Gostaria que eles fizessem rap com estas palavras ("Atletas de Bangkok na biosfera/ Sonhos molhados do Arkansas/ Todos desaparecemos/ Concubina do Kremlin...", o trecho de "Milk & Honey"). Claro que eles nunca farão, mas eu acho que encontro inspiração assim.
É bobo e brincalhão nesse sentido. Mas, em um outro sentido, você também pode sorrir e dizer que não quis dizer isso.

"Quando faço um rap, é o que imagino Puff Daddy e Master P cantando"


Folha - Apesar de ser bastante colorido, o disco trata de lixo, degradação, sujeira, destruição do mundo. Isso tem a ver com Los Angeles?
Beck -
Sim, Los Angeles é uma cidade suja; chove uma vez na vida. Vivemos com muita poeira nessa floresta de metal...
Caetano Veloso, quando escreveu sobre a tropicália em seu livro ("Verdade Tropical"), disse que o mundo projetava uma imagem do passado em relação ao Brasil, como Carmem Miranda, e eles (os tropicalistas) estavam brincando com isso, rompendo e desconstruindo isso, devolvendo para o mundo uma mistura de vanguarda e cultura trash. E eu reconheço isso aqui em Los Angeles.

Folha - Há um subtexto gay no disco, que nunca foi tão explícito em seus discos anteriores. Concorda?
Beck -
Não exatamente. Acho que hoje existe uma polaridade entre o rock macho, agressivo, masculino, como o Limp Bizkit, e o mais afeminado, como o tipo de música que Alanis Morissette faz... E o grande rock and roll embaralha essa linha divisória, na linha norte-americana, onde a sexualidade deve ser... Sabe, os EUA estão tão conservadores, hoje, que eu quero ser um pouco punk (risos). Se eu fosse um MC (rapper), faria um implante de seio para fazer as pessoas perderem a noção de que têm de sexo. ("Desculpa (sic), não podemos continuar", interrompe a funcionária da gravadora).


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