|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Cantor e compositor americano, que lança "Midnite Vultures", mantém planos de shows no Brasil
Se fosse MC, colocaria seios, diz Beck
MARCELO NEGROMONTE
da Redação
Apesar de ter se aproximado da
música brasileira, no seu penúltimo álbum, "Mutations", e de ter
participado do show de Caetano
Veloso em julho, em Nova York, o
cantor e compositor californiano
Beck, 29, solta todas as amarras
no último "Midnite Vultures".
Diferentemente de "Mutations", disco quase acústico, intimista, simples, com bossa nova
("Tropicalia") e considerado um
álbum fora da discografia oficial
do artista, "Midnite Vultures" explode em funk, hip hop, electro,
rock e, em tese, é o sucessor de
"Odelay" (96). Aqui, Beck quer
"desafiar a lógica das leis sexuais"
("Sexx Laws").
Lançado em novembro nos
EUA, "Midnite Vultures" vendeu
mais de 500 mil cópias no país, segundo a revista "Billboard". E
"Mutations" concorre ao
Grammy deste ano na categoria
Melhor Performance de Música
Alternativa -Beck já levou os
Grammy, na mesma categoria,
com "Odelay", e Melhor Cantor
de Rock, com "Where It's At",
ambos em 97.
Esquizofrênico e original desde
o primeiro álbum "Golden Feelings", de 93 (leia quadro abaixo),
Beck passeia por vários gêneros,
não se apega a nenhum deles e diz
que isso é o que o mantém são, o
faz "sair de sua própria cabeça".
Uma fuga desesperada de rótulos
ou pura genialidade pop?
Em entrevista feita por telefone
anteontem, Beck afirma que gostaria de ouvir os rappers Puff
Daddy e Master P cantando o que
ele canta ("mas isso nunca vai
acontecer") e mantém seus planos de vir ao Brasil, o que aconteceria no ano passado, "mas para
passar ao menos uma semana".
Entrevista que durou apenas e
exatos nove minutos, por imposição da gravadora Universal, e que
foi interrompida bruscamente
por uma funcionária da empresa,
em Miami, falando em português,
alegando que Beck "teria outras
entrevistas a dar". Leia abaixo a
íntegra da conversa.
Folha - Há pouco mais de um
ano, você afirmou que viria ao
Brasil em 99. O que deu errado?
Beck - É que naquela época pensava que "Midnite Vultures" ia
ser lançado no verão (meados do
ano passado), mas fiquei trabalhando no disco até outubro, até
três semanas antes de ele ser lançado (em 23 de novembro, nos
EUA). Foi um disco muito, muito
difícil de fazer. Durou mais tempo
do que o previsto.
Folha - Mas ainda há planos?
Este ano?
Beck - Sim, claro que há. Quero
ir este ano... É uma questão de
tempo disponível. Eu posso facilmente passar quatro dias, mas
prefiro passar uma semana ao
menos.
Folha - Na sua última entrevista à Folha, você disse que, quando estava depressivo ou frágil,
fazia músicas bombásticas e depressivas. É o caso de "Midnite
Vultures"?
Beck - Não sei, não sei. Definitivamente, sou uma pessoa reflexiva. Sou muito mais sério que minha música. Acho que a música
que faço funciona como um escape para mim. Me ajuda a sair de
mim mesmo. Me ajuda a me purificar. Não gosto de ficar apenas na
minha cabeça... Fico muito denso
quando penso (risos).
Folha - "Midnite Vultures" é o
disco em que você parece querer mais do que nunca tentar
confundir as pessoas, misturando idéias, conceitos e sons em
uma intensidade que você não
fizera antes. É isso mesmo?
Beck - Não sei se quero alienar
as pessoas. Eu só quero purificá-las por meio das emoções, fazer
algo que reflita o que de fato é, de
modo único.
"Sou muito mais sério que a música que faço. Ela ajuda a me purificar"
|
Folha - Apesar de uma de suas
características marcantes ser a
mistura -ou a utilização de elementos (aparentemente) díspares- na música, nesse disco parece que foi elevado à potência
máxima, com funk, rock, blues,
electro etc. ao mesmo tempo.
Você não acha que isso, o excesso de referências -não só musicais-, pode ser considerado
simplesmente bobo? Ou isso é
terreno propício para pensar
com mais agudez?
Beck - Eu acho que um escritor
escreve um livro do qual ele sente
falta. Músicos, que são verdadeiramente inspirados e amam música, tentam fazer discos que não
maculem a música. Bem, nós
criamos nosso mundo.
Geralmente quando faço um
disco, é o meu ponto de vista de
como a música pop deveria ser.
Quando faço um rap como esse (o
trecho final de "Milk & Honey"),
é o que imagino Puff Daddy cantando, é o que gostaria que Master
P dissesse.
Gostaria que eles fizessem rap
com estas palavras ("Atletas de
Bangkok na biosfera/ Sonhos molhados do Arkansas/ Todos desaparecemos/ Concubina do Kremlin...", o trecho de "Milk & Honey"). Claro que eles nunca farão,
mas eu acho que encontro inspiração assim.
É bobo e brincalhão nesse sentido. Mas, em um outro sentido,
você também pode sorrir e dizer
que não quis dizer isso.
"Quando faço um rap, é o que imagino Puff Daddy e Master P cantando"
|
Folha - Apesar de ser bastante
colorido, o disco trata de lixo,
degradação, sujeira, destruição
do mundo. Isso tem a ver com
Los Angeles?
Beck - Sim, Los Angeles é uma
cidade suja; chove uma vez na vida. Vivemos com muita poeira
nessa floresta de metal...
Caetano Veloso, quando escreveu sobre a tropicália em seu livro
("Verdade Tropical"), disse que o
mundo projetava uma imagem
do passado em relação ao Brasil,
como Carmem Miranda, e eles
(os tropicalistas) estavam brincando com isso, rompendo e desconstruindo isso, devolvendo para o mundo uma mistura de vanguarda e cultura trash. E eu reconheço isso aqui em Los Angeles.
Folha - Há um subtexto gay no
disco, que nunca foi tão explícito em seus discos anteriores.
Concorda?
Beck - Não exatamente. Acho
que hoje existe uma polaridade
entre o rock macho, agressivo,
masculino, como o Limp Bizkit, e
o mais afeminado, como o tipo de
música que Alanis Morissette
faz... E o grande rock and roll embaralha essa linha divisória, na linha norte-americana, onde a sexualidade deve ser... Sabe, os EUA
estão tão conservadores, hoje, que
eu quero ser um pouco punk (risos). Se eu fosse um MC (rapper),
faria um implante de seio para fazer as pessoas perderem a noção
de que têm de sexo. ("Desculpa
(sic), não podemos continuar",
interrompe a funcionária da gravadora).
Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: Do cinema em vias de extinção e dos rodeios Próximo Texto: Discografia de Beck Índice
|