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NELSON ASCHER
Portugal hoje
Após União Européia, portugueses pararam de se apresentar como parentes pobres
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NOSSO homem na cidade do
Porto, João Pereira Coutinho, revelou certa vez quanto as brasileiras haviam feito para
ressuscitar esteticamente suas primas lusitanas. Estas, confiando na
reserva do mercado masculino nacional, teriam, por décadas, deixado
de lado o empenho necessário para
se manter atraentes. A súbita concorrência que se viram obrigadas a
enfrentar diante da desinibição de
cariocas esguias e depiladas que, impiedosamente armadas de fios-dentais, irrompiam em pessoa ou na TV,
não lhes deixou escolha salvo a
adaptação que, como Darwin explica, é a chave da sobrevivência.
Embora esquerdistas e feministas
cedam sempre ao cacoete de chamar
tais constatações de reacionárias e/
ou machistas, o fato é que gente menos carrancuda veria quão modernizador, revolucionário mesmo, foi o
processo, uma vez que a beleza, antes privilégio restrito a poucas, tornou-se acessível a muitas: democratizou-se. Isso encapsula mais de 30
anos de transformações do país.
Nação colocada à margem da Europa menos pela geografia do que
por meio século do Estado Novo
"fascistizante" de Salazar, Portugal,
"orgulhosamente só", persistia num
estilo pré-moderno de vida. Quanto
aos "capitães" que, em 25 de abril de
1974, derrubaram o antigo (e podre)
regime, estes tampouco simpatizavam com a sociedade de consumo e
pretendiam apenas transformar a
estagnação de direita numa pasmaceira de esquerda. Tanto salazaristas como os responsáveis pela Revolução dos Cravos concordavam em
sua ojeriza à Coca-Cola. Ocorre que
não há sociedades mais maçantes do
que aquelas nas quais não haja Coca-Cola ou McDonald's, pois inclusive o direito de não freqüentar este
último só pode ser exercido plenamente, enquanto escolha individual,
onde a rede exista.
O "aggiornamento" local foi demorado. Quando estive aqui pela
primeira vez, em 1982, o país ainda
fazia jus à piada na qual um espanhol pergunta ao português "não é
bom para vocês morarem tão perto
da Europa?" e ele lhe responde "claro que sim: é só cruzarmos a Espanha e estamos lá". Daquilo que as lojas ofereciam até a maneira como as
pessoas se comportavam, a impressão era de se estar num lugar pacato
do Terceiro Mundo. Quatorze anos
depois, algo melhorara e muito piorara. Sobretudo o estado de conservação das cidades, das casas, ruas e
edifícios beirava o melancólico e,
por descaso ou má administração,
Portugal ficara aquém da Hungria
ou da República Tcheca. Em 1998,
contudo, Lisboa se convertera numa
verdadeira capital européia com calçadões e vitrines atraentes, gente
afluente fazendo compras, mulheres elegantes, turistas etc. Hoje, o
mesmo vale para o resto do país, em
especial para o Porto.
Se Portugal se beneficiou de verbas injetadas pela União Européia,
suspeito que a causa de sua modernização embelezadora seja similar
àquela que resultou no embelezamento modernizador de suas moças, a saber, a competição. Não mais
"sós", os portugueses, ao entrarem
para um clube abastado, insistiram
em se integrar "orgulhosamente" e,
portanto, pararam de se apresentar
como parentes pobres. Além do
mais, o clima, o litoral e os monumentos históricos asseguram ao
país um lugar de destaque entre os
destinos turísticos. Por que não
apostar nisso? O desenvolvimentismo postulava, como pré-condição
de uma independência hipotética,
que os países deviam, cada qual, produzir seus próprios queijos e microchips. A globalização, apostando na interdependência e na sinergia, encoraja, por exemplo, Taiwan a se
concentrar em telas de cristal líquido e Portugal a se dedicar à hotelaria
e ao queijo da Serra.
Ao fim e ao cabo, os brasileiros
também somos beneficiários das
transformações lusitanas. Excetuando a camada intelectual mais
refinada que, já nos anos 50, revoltando-se contra o "establishment"
literário personificado pela revista
"Presença", adotou a geração de
Drummond como seu segundo modernismo (o primeiro havia sido o de
Fernando Pessoa e contemporâneos), os portugueses em geral não
se interessavam pela cultura brasileira nem, aliás, os brasileiros pela
portuguesa da época. Havia, de lado
a lado, preconceitos, complexos de
inferioridade e superioridade, bem
como reservas inúteis de mercado.
Nos dias que correm, porém, autores maduros ou jovens de ambas as
margens do mar-oceano são simultaneamente publicados e lidos em
São Paulo e Lisboa, algo que não
ocorria desde os tempos em que Eça
de Queirós e Machado de Assis liam-se um ao outro com mútuo prazer e
admiração.
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