São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

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CRÍTICA DRAMA

Em filme sobre Além, Eastwood revela mistérios da vida

Sem ser brega ou digestivo, cineasta aborda angústia profunda da morte e arte do encontro em "Além da Vida"


A PERDA ESTÁ SEMPRE PRESENTE, MAS A "BOA NOVA", A PERSPECTIVA DE UMA VIDA FUTURA NUNCA SE AFIRMA PLENAMENTE


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Clint Eastwood sempre está onde não esperamos. Com Mandela, na África, em Detroit, discutindo a intolerância étnica (e as perdas de civilidade e civilização), em um jornal pondo em questão a pena de morte. Mas, no Além? Não será um exagero?
Pode ser, o tempo dirá. Por ora, é certo que Clint Eastwood não trabalha apenas com a morte ou com vidas talvez eternas. Como de hábito, ele exclui Deus de nossos negócios e traz como tema menos ostensivo, mas não menos importante em "Além da Vida" a ideia de encontro, da vida como arte de encontros necessários, vitais.
Tudo começa com a impressionante sequência do tsunami. Uma cena de computação gráfica cuja força deve tudo ao tempo exasperante que precede o trágico avanço do mar. E o que vemos é uma onda baixa, assustadora apenas pelo ruído, mas que parecerá não ter fim.
Nessa onda é que entra Cécile de France, jornalista bem-sucedida da TV francesa. O trauma por que passou (a rigor, morreu e ressuscitou) a faz pedir licença ao canal. Tenta escrever um livro sobre Mitterrand. O que sai é um livro sobre o Além. O editor a manda plantar batatas.
O segundo protagonista, Matt Damon, mora em San Francisco. Ex-vidente célebre, o fã de Charles Dickens vivencia a vidência como maldição. Por isso, largou tudo e trabalha numa fábrica. É um completo solitário, sem amigos ou namoradas.
O terceiro protagonista é um ator menos famoso, um pré-adolescente. Vamos chamá-lo por seu nome no filme: Marcus. Vive em Londres e acaba de perder o irmão gêmeo: o "irmão mais velho", mais decidido, lhe serve como referência, já que a mãe é uma viciada em drogas.
Resumindo: os problemas dos vivos já bastam para um filme. Estamos diante de três solitários incapazes de manter relações. O caso mais crítico é o de Marcus, já que o luto o imobiliza. Ele vive atrás de videntes que possam dar notícias de seu irmão. São, invariavelmente, vigaristas.
Por vários caminhos, esses personagens estarão em Londres, numa feira de livros, no momento em que Cécile lança seu livro por uma deprimente editora do Novo México (em definitivo, o mundo não leva o Além a sério).
Lá Matt conhece o livro de Cécile e lhe pede um autógrafo. Lá Marcus reconhece o ex-vidente cuja foto vira na internet. Este é o coração do filme: porque só a hipótese do encontro entre essas três pessoas pode permitir que rompam o círculo que imobiliza e torna infernal suas vidas.

ANGÚSTIA PROFUNDA
Quanto ao outro tema, o dos contatos com o Além, não merece desprezo. Existe um mistério indevassável sobre nosso destino após a morte. É o nosso limite. Eis aí uma boa razão para este não ser um filme nem brega nem digestivo. Ele envolve uma angústia profundíssima: a dor de mortes de pessoas próximas, o temor de mortes futuras (nossa, inclusive).
Em "Além da Vida", a perda está sempre presente, mas a "boa nova", a perspectiva de uma vida futura nunca se afirma plenamente (pois a vidência não pode ser uma extraordinária intuição, de um poder paranormal? Em todo caso, incapaz de desvendar mistérios da vida e da morte).
No entanto, algo de eufórico resiste: como se fosse um chamamento à vida. A esta vida. À existência que o jovem Marcus delegou a outro (o irmão). Para ele, o encontro com o vidente é decisivo: trata-se de, ao ouvir o irmão, encerrar o luto, absorver a dor e crescer, ser ele mesmo.
Não é com os mistérios do Além, afinal, que Eastwood inquieta o espectador. Bastam-lhe os mistérios desta vida, de que não abre mão.

ALÉM DA VIDA

DIREÇÃO Clint Eastwood
PRODUÇÃO EUA, 2010
COM Matt Damon, Cécile De France e Bryce Dallas Howard
ONDE nos cines Central Plaza, Reserva Cultural, Villa-Lobos Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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