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Todos os fogos
Festejos e lançamentos de livros no Brasil e no mundo relembram os 20 anos da morte de Julio Cortázar
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
NA CIDADE DO MÉXICO
Que se acendam todos os fogos
para Julio Cortázar. O ano de 2004
concentra duas efemérides de peso que concorrem para relembrar
o autor argentino: não houvesse
morrido há 20 fevereiros, completaria em agosto o 90º aniversário.
Nascido em Bruxelas (onde o
pai era diplomata), morto em Paris (cidade que adotou em 1951,
por repudiar o peronismo, tendo
sido feito cidadão francês em 81),
Cortázar calcou seu nome não só
no campo literário -transitando
com afincada coerência entre crítica e ficção-, mas também no
político -manifestando repetidamente sua crença incondicional no comunismo e na via revolucionária como solução para os
problemas da América Latina.
Cortázar será celebrado ao longo do ano em diversos eventos,
que se estendem das margens do
Rio da Prata até as do Sena -no
dia 12, aniversário da morte, inaugurou-se em Buenos Aires e em
Paris o "Ano Internacional Cortázar"; as homenagens passarão por
países como Colômbia e Espanha.
Um dos pontos do percurso a
concentrar mais homenagens é o
México -onde Cortázar batiza
uma importante cátedra na Universidade de Guadalajara (UdeG).
Instituições prestigiosas no país
-além da própria UdeG, a Universidade Nacional Autónoma de
México (Unam), o Instituto Nacional de Bellas Artes e a editora
Fondo de Cultura Econômica-
prepararam festividades, cujo
ponto alto começa hoje, em Guadalajara, com o colóquio "Cortázar Revisitado: Nuevas Lecturas".
No Brasil está previsto o lançamento em agosto de um inédito,
"A Volta ao Dia em 80 Mundos"
(Civilização Brasileira). O selo do
Grupo Record também tem na
gaveta outra preciosidade não conhecida por aqui do homenageado, ainda sem data de lançamento: "Último Round", livro-almanaque com ensaios, poemas, contos e outros escritos.
O colóquio de Guadalajara se
esforçará por cobrir a complexidade do universo cortazariano,
abordando, em sete mesas-redondas, aspectos que vão da presença do fantástico em sua obra
até seu ideário político, além de
organizar uma série de atividades
culturais paralelas.
O traço fantástico-lúdico é talvez o mais fortemente relacionado à ficção de Cortázar -autor
que aparece com freqüência sob o
frouxo rótulo do "boom" latino-americano, pespegado igualmente a diversos autores de sua geração. Cortázar se incomodava especialmente com a chancela geográfica aplicada ao "grupo". Reivindicava que seus autores fossem reconhecidos por seu valor, a
despeito de sua origem.
"O que cansa é essa espécie de
"localismo" como condição moral
que justifique uma obra", diria ao
jornalista uruguaio Ernesto González Bermejo ("Conversas com
Cortázar", Jorge Zahar Editor).
E, se é inegável que um dos pilares de sua obra seja a manifestação do fantástico no cotidiano, é
preciso dizer também que ela
acontece, em Cortázar, numa linha muito própria -que se aproxima, por momentos, do norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849) ou do também argentino
Jorge Luis Borges (1899-1986) e
que pouco tem a ver com a literatura do colombiano Gabriel García Márquez, este sim autor paradigmático do "boom".
Cortázar explorou os limites do
real, do tempo e do acaso e procurou explodir os do romance,
construindo um projeto de longo
prazo a partir de uma visão muito
particular do gênero, expressa na
"Teoria do Túnel" (47). No texto,
defendia a coadunação de uma
poética decorrente do surrealismo com a filosofia existencialista.
Tal projeto, aplicado desde sua
primeira incursão romanesca,
"Divertimento" (1949), se realizaria em "O Jogo da Amarelinha",
de 1963. No livro, encontram-se
pontos fundamentais que balizariam a obra do autor: o questionamento existencial, os desígnios do
imponderável e, finalmente, o aspecto lúdico, resumido no título e
levado ao extremo na forma do
romance, composto de fragmentos intercambiáveis.
Talvez tenha sido o próprio
Cortázar quem definiu melhor o
inconformismo que o levaria, na
arte, a forçar as barreiras formais
e, na política, a defender ferrenhamente os ideais revolucionários:
"A mim não bastava que dissessem que isso era uma mesa, ou
que a palavra "mãe" era a palavra
"mãe" e estava acabado. Ao contrário, no objeto "mesa" e na palavra "mãe" começava para mim um
itinerário misterioso que às vezes
chegava a franquear e no qual às
vezes me estrelava. Em suma, desde pequeno, minha relação com
as palavras, com a escritura, não
se diferencia de minha relação
com o mundo em geral. Eu pareço ter nascido para não aceitar as
coisas tal como me são dadas".
Colaborou Cassiano Elek Machado
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