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CONTARDO CALLIGARIS
Eleições americanas
No fundo, as eleições nos Estados Unidos
são o melhor seriado
do momento
Volto das férias com um caderno
de notas sobre as eleições
presidenciais norte-americanas. Escolho algumas.
1) Provavelmente, em novembro,
o republicano John McCain enfrentará um dos democratas -Hillary
Clinton ou Barack Obama. Segundo
as pesquisas atuais, McCain/Clinton seria quase um empate, e Obama ganharia de McCain.
Torço pelos democratas, mas modero meu otimismo. O racismo, o
machismo e o medo do que é diferente e novo são forças que trabalham na sombra.
Muitos eleitores declaram que votarão em uma mulher ou em um negro sem problema. Mas outra coisa é
o que acontece no segredo da cabine
eleitoral. O discurso conservador sabe instilar temor na massa da pequena classe média branca: "Mas
você quer mesmo eleger uma mulher ou um negro como presidente?
Vamos deixar para outra vez?"
Funciona assim: você não tem
quase nada a perder, não tem privilégio algum que valha a pena ser defendido, nada que justifique manter
as coisas como estão. Mas, justamente, ao votar contra a mudança,
você afirma que seu status merece
ser protegido, ou seja, você se convence de que conquistou algo na vida que você não pode se arriscar a
perder. O que é isso? Nada, apenas
essa falsa convicção.
2) Hillary Clinton não é a candidata das mulheres. E Barack Obama
não é o candidato dos negros (como
foi Jesse Jackson em 1984 e 1988).
Quarenta anos após o movimento
pelos direitos civis, uma mulher e
um negro são candidatos à presidência sem que cor ou gênero sejam
estandartes -ou seja, como cidadãos numa sociedade em que cor e
gênero seriam "acidentes" que não
implicam uma agenda específica.
Se isso é verdade, os anos 60 foram a verdadeira revolução bem-sucedida do século passado.
3) Obama, 46, é o único candidato
que pertence a uma geração cuja visão do mundo não é o fruto direto
nem da Guerra Fria, nem da Guerra
do Vietnã, nem da contracultura. É
lógico que ele tenha a simpatia da
maioria dos jovens. Talvez seja por
isso também que sua popularidade
atravesse as fronteiras partidárias:
Obama não enxerga o mundo como
uma luta entre "eles" e "nós".
4) A viabilidade da candidatura de
Obama prova a boa saúde do "experimento americano" (que é, entre
outras coisas, o projeto de uma sociedade de imigração em que os cidadãos valem pelo que fazem, e não
pelo que devem a seus antepassados). Obama é filho de um imigrante
africano muçulmano e foi criado inicialmente na religião islâmica; seu
segundo nome é Hussein. Alguns,
pelos bares e pelas ondas de rádio do
país, acham isso um disparate. Mas,
para a metade dos americanos, no
meio de uma guerra que é, no mínimo, apresentada como cultural, isso
não constitui um empecilho. Você
imagina, sei lá, os franceses elegendo como presidente, em 1939, um
sujeito chamado Adolf, filho de imigrante alemão?
5) Não adianta zapear: as eleições
norte-americanas são como a Copa
do Mundo. Salvo que mesmo um jogo das eliminatórias, como o "caucus" de um Estado só, ganha a primeira página.
É óbvio que, pelo peso geopolítico
dos EUA, as eleições norte-americanas acarretam conseqüências mundiais. Mas não é só isso que desperta
o interesse da torcida internacional.
Faz um século que a realidade
americana parece ser matéria privilegiada de romance ou de filme (aqui
está, aliás, o fundamento da dita hegemonia hollywoodiana).
A razão é cultural e simples: o mito
fundador do "experimento americano" é também a idéia do indivíduo
que, ao tentar "fazer a América", é o
único artífice de seu destino -bom
ou ruim. E esse mito é uma matriz
narrativa básica e inesgotável de
nossa cultura.
Há os que podem contar suas vidas e os que não conseguem. Mas, de
uma certa forma, o americano ideal,
homem político ou mendigo perdido nas vinhas da ira, sempre vive sua
vida e a conta para si mesmo como
romance ou roteiro de aventuras.
As memórias de guerra de McCain
serviram de roteiro para um telefilme, de 2005, que concorreu ao
Emmy. Obama ganhou o Grammy
de melhor álbum falado por seu livro de memórias, em 2005, e acaba
de ganhar outro por seu segundo livro (neste ano, ele competia com os
ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy
Carter). Hillary, verdadeira heroína
do caso Lewinski, é autora de uma
autobiografia de sucesso.
No fundo, as eleições americanas
são o melhor seriado do momento.
ccalligari@uol.com.br
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