São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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ARTES PLÁSTICAS/"ARTE DA ÁFRICA"

Fragmentação de coleção esconde o sentido originário

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

"Arte da África" é uma mostra ambígua. Apresenta objetos relevantes de culturas complexas, mas esconde o sentido originário devido à fragmentação do conjunto mostrado pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo.
O acervo provém do Museu Etnológico de Berlim. Fundado em 1873, tal organismo se beneficiou da partilha do continente africano entre os impérios europeus a partir da Conferência de Berlim, em 1884. A maioria das peças enviadas foi adquirida durante o período colonial, antes da Segunda Guerra Mundial.
A coleção dissocia os itens individuais do complexo material no qual foram gerados, apesar das explicações acompanhando cada peça. A seção das máscaras apresenta somente as caras talhadas, partes de fantasias rituais de corpo inteiro. A curadoria indica o fato, agregando quatro filmes de cerimônias que envolvem tais objetos; em "Baule, Costa do Marfim" (1968), vemos a máscara "Kplekple" exibida na sala, só que usada com seu traje completo.
Contudo o destaque desses adereços lhes confere interesse autônomo. O isolamento da cabeça bifronte da República dos Camarões concentra a atenção sobre os olhos vazados: placa oblonga furada com prego.
Entre o século 16 e o 20, a participação da África nas rotas de comércio oceânico impulsionou as mudanças advindas do intercâmbio. As dez placas em relevo do palácio real de Benin (séc. 16 a 18) retratam a corte, portugueses e animais em latão.
A matéria-prima era obtida com a venda de escravos e marfim nos entrepostos costeiros da atual Nigéria. A frontalidade estilística deriva da cópia de xilogravuras européias. Considerados tesouros etnográficos de grandes museus, como o Britânico, esses revestimentos foram saqueados durante a invasão de Benin pelos ingleses, entre 1897 e 1899.
A diversidade técnica é notável. Vemos desde o entalhe fino dos cabelos da "Máscara Gelede", até a mescla entre modelagem e escultura na "Máscara de Líder".
Um mesmo uso pode resultar em objetos tão distintos quanto as estátuas de gêmeos enfileiradas no segundo andar. A alma dos gêmeos era tida como uma só. Caso morresse um dos irmãos, garantia-se a permanência do sopro de vida no sobrevivente pela confecção de um substituto do morto, que deveria ser tratado como parte da família.
As questões éticas da mostra são explicitadas em textos de painel, enfrentando-se desafios atuais da museologia. O percurso é claro e bem distribuído.


Arte da África
   
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, centro, SP, tel. 0/ xx/11/3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 10h às 21h; até 28/3
Quanto: entrada franca




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