São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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LIVROS

Crítica/"Poesia"

Erudita, poesia de Borges é mais variada do que a sua prosa

Com tradução precisa de Josely Vianna Baptista para o português, volume reúne sete livros do escritor argentino

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O volume "Poesia" reúne sete livros do argentino Jorge Luis Borges, traduzidos por Josely Vianna Baptista. Integra a Biblioteca Borges, série da Companhia das Letras que desde 2007 publica a obra do escritor. Borges (1899-1986) é um dos maiores escritores de contos e também produziu ensaios, traduções e poemas. Reinventou a escrita da perspectiva da duplicação do sujeito, aquele que escreve uma espécie de sósia de textos preexistentes, e questionou a autoria do texto literário -ou de qualquer obra de arte- na cultura ocidental.
Como avalia Lars Olsen, especialista no autor argentino, ele faz parte de uma linhagem de artistas, escritores, poetas e filósofos que se caracterizam por criar uma estética do artifício. Para esses estetas, o artifício é uma "verdade" da existência, pois é factum: fato e ao mesmo tempo "facturado", feito.
Nesse contexto, os poemas de Borges encontram-se como artifícios de formulação desse sujeito que narra. Ele se vale das tradições literária e historiográfica para tramar múltiplas subjetividades e, assim, encontrar, no manuseio das palavras, os seus próprios sujeitos e o "eu" lírico. Um exemplo é o soneto "James Joyce", que, por meio da métrica e do universo joyceano como ponto de embarque, atinge alto grau de lirismo e plasticidade imagética.

Clássico e moderno
Sua poética varia entre formas clássicas e modernas -como o verso livre quase "entupido" com prosa, ou, em prosa, a canção popular portenha (a milonga) e um tratamento de imagem próximo do surrealismo. O tom, em geral, elevado, tem sabor neoclássico na escolha vocabular, no uso de terzas e decassílabos, embora o autor empregue redondilhas maiores. No livro "O Ouro dos Tigres", há uma série de tankas (forma clássica da poesia japonesa), trabalhados com coloquialismo característico da técnica moderna. Alguns poemas, como "Um Poeta Menor", do conjunto "Treze Moedas", lembram as formas curtas de Oswald de Andrade.
A poesia de Borges é marcada por traços em comum com o tango argentino, sobretudo o tango moderno de Piazzolla, de lirismo abrupto, sintético e irônico, pelo tratamento moderno das formas clássicas e pelo conhecimento da tradição -objeto de ressonância no trabalho com a linguagem. O Borges que foi ponto de partida para pensadores como Foucault, Deleuze e Eco é o contista. Embora sua poesia seja de extrema erudição, é mais heterogênea que a prosa e só em alguns momentos conquista densidade. A importância de se ter em português a poesia de Borges é grande, pois ela nasce de sua prosa e ficção, relevante para a compreensão do mundo atual, que põe em questão o ato da escrita e da leitura.
A tradução de Baptista, poeta de "Ar" e "Poros Floridos", é mais precisa que, por exemplo, a tradução para o português europeu feita por Fernando Pinto do Amaral (ed. Teorema). Baptista persegue com entusiasmo e precisão o ritmo e a métrica dos poemas e submete o texto à escolha do tom, mais clássico e literário, do original.
Tradutora de Borges há mais de dez anos, já verteu Roa Bastos, José Lezama Lima, Julio Cortázar, Guillermo Giucci e Cabrera Infante -e recebeu o Jabuti por traduções de Borges em 1998.

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA é poeta, autora de "O que (se) Passa" (Iluminuras).


POESIA
Autor: Jorge Luis Borges
Tradução: Josely Vianna Baptista
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 65 (648 págs.)
Avaliação: ótimo



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