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"AMOR MAIOR QUE A VIDA"
Medo de ser Zeffirelli
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Há o garoto ambicioso, que faz
Harvard e sonha ser presidente
dos EUA, nem que para isso tenha
que lutar no Vietnã; há a menina
de bom coração, que reprova os
políticos, ajuda as crianças desassistidas e exilados chilenos. Um
amor que se insinua impossível
surge entre os dois nos anos 70.
Fielding (Billy Crudup) acaba
por se tornar senador democrata
uma década depois, mas vive
amargurado, vendo sua ex-namorada em todas as esquinas nevadas de Chicago. Só que Sarah
(Jennifer Connelly) explodiu junto com um carro e um casal de
allendistas.
Não se trata de uma crise de
identidade: Fielding não inveja o
irmão porra-louca, tem sérias restrições aos católicos, é xenófobo e
desconsidera haver lugar fora dos
EUA onde haja ascensão social e
democracia. Mostra-se orgulhoso
de sua ambição.
Moldando seu protagonista assim, o diretor Keith Gordon evitou cair numa armadilha: humanizar Fielding demais, torná-lo
torturado pela consciência. Seu
único problema foi ter perdido a
namorada-antítese, com quem
teria vivido, ainda que rapidamente, a sonhada plenitude.
Esclarecido isso, lá pelo meio da
projeção, o filme revela sua verdadeira intenção: trata-se de uma
"love story". Mas "love-stories"
pedem mais compulsão, plangência, volteios em torno de um único eixo -a paixão e a impossibilidade dela.
"Amor Maior que a Vida" não
parece estar satisfeito em ser apenas mais um filme do gênero e fica a se disfarçar com conteúdos
pseudopolíticos, recriações levianas de época, zigue-zagues no
tempo, argumentações teóricas
desprezíveis.
É um recurso que parece impor
mais "densidade" à obra. Um
atentado a chilenos remete a um
evento real, transcorrido nos
EUA -o caso Letelier-, mas
que nada por cento dos americanos, se tanto, conhece (por falar
neles, alguém, no filme, diz:
"Americanos, não, Fielding, norte-americanos").
Imagens de uma campanha
também parecem ocupar, no
imaginário de Hollywood, um
conteúdo de crítica de um grande
tema. Por fim, há o pulo geracional, simbolizado pelos cabelos
metamorfoseados do irmão maluco. Simples artifícios para não
deixar perfeitamente claro o objetivo lacrimoso da produção.
Afinal, não deve ficar bem para
um diretor sem grande currículo
-e que pode vir a ganhar um Oscar em cinco anos-, num país
cujo cinema é tão incrivelmente
combativo, vide o Oscar deste
ano, soar logo de cara como Franco Zeffirelli.
Avaliação:
Filme: Amor Maior que a Vida
Título original: Waking the Dead
Produção: EUA, 1999
Diretor: Keith Gordon
Com: Billy Crudup, Jennifer Connelly
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes/sala Mário de Andrade, Eldorado 6 e circuito
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