São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2006

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Última moda

Courrèges para o século 21

"Papel do estilista é fazer o futuro", diz Coqueline Courrèges, que revolucionou a moda nos anos 60"

Chanel, Balenciaga, Dior, Lanvin, Saint Laurent, Lacroix, Givenchy... Quase todas as grandes maisons francesas do século 20 comparecem regularmente nos desfiles de Paris. Mas, para um espectador interessado na história da moda, falta ali um nome fundamental: Courrèges.
André Courrèges e sua mulher, Coqueline, foram os responsáveis por uma verdadeira revolução na moda nos anos 60. Eles não apenas introduziram a minissaia na alta-costura (1965), como renovaram a concepção, as técnicas e os materiais das roupas, inventando uma nova imagem da mulher.
"O "chique" inalterável de Chanel nos diz que a mulher já viveu (e que ela soube viver), o "novo" obstinado de Courrèges que ela vai viver", escreveu Roland Barthes em 1967. A linguagem de Courrèges era o reflexo na moda de uma época marcada pelo entusiasmo com as viagens espaciais, pelo impacto da emergente cultura de massas, pelo rock e pelo pop, pelas revoltas juvenis e pela libertação da mulher. Apaixonados por esportes e pelo futuro, os Courrèges modernizaram tão radicalmente a moda que suas criações e seus métodos ainda não foram de todo absorvidos.
Quem busca a maison Courrèges em Paris tem um endereço certo: no número 40 da rua François 1er. fica a loja aberta em 1965 e que lembra um cenário de filme de ficção científica dos anos psicodélicos. Num prédio ao lado, fica o ateliê de criação, um misto de laboratório científico e estúdio de artista plástico.
Você talvez não consiga ver André Courrèges, 82, por lá. Há alguns anos ele se afastou da moda e passou a se dedicar à pintura e à escultura. Mas certamente encontrará Coqueline Courrèges, 70, a vibrante cúmplice revolucionária de André e diretora de criação da maison. Foi no ateliê da grife, com várias roupas extraordinárias por todo canto, que Coqueline falou à Folha sobre o presente e o futuro da moda.

Folha - Por que a Courrèges não participa dos desfiles em Paris?
Coqueline Courrèges -
Desfilar ou não, este não é o problema. O que precisamos fazer é uma análise total do que se passa hoje no campo da costura. O mundo da costura foi absorvido pelo capital financeiro. Aquele que se envolve com este mundo quer, hoje, ganhar dinheiro antes de virar costureiro. Seu objetivo é se tornar uma vedete, uma estrela, ser muito bem pago e ter muita mídia em torno de si. Parece-me que, depois de vários anos, eu estou me desligando cada vez mais desse sistema. Aqui, permanecemos na categoria "grand couturier" (grande costureiro). E grandes costureiros futuristas.

Folha - A maison Courrèges é ligada a algum grupo?
Courrèges -
Não, ela é totalmente familiar. Nós compramos todas as ações e somos 100% Courrèges na costura e no perfume. A isso chamamos liberdade.

Folha - A força do capital sobre a moda impede o avanço da costura?
Courrèges -
A costura é apenas parte do que acontece hoje no mundo inteiro: o dinheiro corrompe tudo, quando ele deveria ser apenas um meio. O verdadeiro valor é a criatividade, a invenção, são as idéias. É preciso que estas sejam boas e contemporâneas. Eu olho e analiso os que andam fazendo moda hoje em dia. E vejo que não há ninguém que faça realmente seu trabalho, pois eles não são contemporâneos. Estão sempre envolvidos com reminiscências, em um processo interminável de cópias. Não são criativos, precisam sempre se apoiar em alguma coisa. Ora, a gente se apóia em alguma coisa quando está no início da carreira, como quando aprendemos a ler e escrever e copiamos os grandes autores. Depois que aprendemos, é preciso inventar uma história própria. Eles nem sequer se colocam a questão fundamental: o que é ser costureiro? Estão completamente perdidos. Não conseguem nem se situar em relação a si mesmos.

Folha - O que é ser costureiro?
Courrèges -
É compreender todas as mulheres, pois cada uma é única e diferente, sendo todas elas parecidas. É tentar vesti-las em função, primeiro, de sua época e, depois, de suas necessidades e de seu movimento. É, enfim, pensar à frente de seu tempo.

Folha - Como a sra. descreveria a mulher atual?
Courrèges -
A mulher tem grandes responsabilidades sobre seus ombros. Quando começamos na costura, as mulheres em geral tinham apenas um trabalho: o de esposa. Agora, a mulher tem quatro trabalhos diariamente. Ela exerce as funções de esposa, de mãe, faz o ofício da casa e ainda tem o seu emprego. Nós acompanhamos essa transformação. Nós, aliás, ajudamos a mulher a se tornar o que ela é hoje.

Folha - Coco Chanel teria dito, nos anos 60, que Courrèges estava transformando as mulheres em garotinhas. O que a sra. pensa desse comentário?
Courrèges -
Chanel era um grande "couturier". Era uma mulher inteligente, que viveu duas guerras e se rebelou, como mulher e estilista, transformando a imagem feminina e tornando-se uma soberana em seu território. Eu gostaria muito de ver costureiros como ela hoje. Agora, eu me pergunto: será que ela disse isso mesmo a propósito de Courrèges? Será que o jornalista não trocou suas palavras? Sem dúvida, nós trouxemos muita juventude, modernidade e esportividade à moda. Mas nunca encaramos as mulheres como garotinhas. No fundo, todos corremos em busca da juventude. O que se vê hoje é que as mulheres de 40 anos já não aparentam ter essa idade, porque elas têm feito um enorme trabalho sobre si mesmas para ficarem mais jovens. Não há nenhuma mulher que não esteja atrás da juventude.

Folha - A sra. quer dizer que Courrèges previu este desejo de juventude de nossa época?
Courrèges -
É normal, normal. A isso chamamos antecipação. Mas não fizemos nenhuma cirurgia plástica nas mulheres. Nós transformamos o corpo com um pedaço de tecido. Demos à roupa uma forma nova para que a mulher pudesse ficar mais à vontade e pudesse ser mais livre.

Folha - André Courrèges ainda participa da criação?
Courrèges -
Não. Ele fica em casa, pois tem uma doença muito pouco gentil, que é o mal de Parkinson. Isto é: embora ele esteja totalmente consciente de seus atos e se dedique atualmente à pintura e à escultura, André teve seus movimentos alterados, o que é uma coisa horrível para um esportista como ele.

Folha - A sra. acha que as pessoas têm a mesma idéia do futuro que tinham nos anos 60?
Courrèges -
Não me coloco a questão de como elas pensam o futuro. Nosso papel é fazer o futuro. Por que fazer o presente se ele já está pronto? Não tem nenhum interesse. Nós sempre fomos contemporâneos porque sempre fomos futuristas.


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