|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DRAUZIO VARELLA
Tal qual avestruzes
Se persistirem as taxas de natalidade, nascerão 2,6 bilhões de crianças nos próximos 45 anos
"A HUMANIDADE se aproxima de uma crise. Durante
o tempo de duração da vida de nossos filhos, nosso objetivo
deve ser o de atingir crescimento
populacional igual a zero." Essa foi a
conclusão a que chegaram os participantes da conferência sobre crescimento populacional, patrocinada
pela "World's Scientific Academies", no ano de 1993, em Nova Delhi, na Índia.
Apesar da assertiva, a atenção para a falta de planejamento familiar
nos países pobres foi pífia. No Brasil,
então, nem se fala.
Os dados são assustadores. Se persistirem as taxas de natalidade
atuais, nascerão 2,6 bilhões de
crianças nos próximos 45 anos, número idêntico ao total de habitantes
da Terra em 1950.
O grupo de população, desenvolvimento e saúde reprodutiva do Parlamento da Inglaterra, depois de discussões com especialistas e de análises dos dados populacionais, acaba
de publicar um relatório que recomenda: "Investimento internacional significativo nos programas de
planejamento familiar, principalmente para os 2 bilhões de pessoas
que vivem com menos de dois dólares por dia".
Em nenhum momento o relatório
afirma que a natalidade constitui a
causa principal ou secundária da pobreza. Aliás, nem entra no mérito
dessa discussão, apenas insiste em
que a negligência na oferta de métodos de contracepção comprometerá
os esforços de erradicar a pobreza.
Dada a importância do relatório e
da idoneidade de seus autores, vou
resumir suas conclusões.
1) Erradicar a fome e a pobreza extrema.
Será impossível reduzir o número
dos que vivem com menos de um
dólar por dia sem adotarmos programas de planejamento familiar
em larga escala. Em 1990, nos países
situados abaixo do deserto do Saara,
havia 231 milhões de africanos nessas condições; em 2001, esse número havia aumentado para 318 milhões.
2) Educação primária universal.
Numa mesma comunidade, crianças nascidas em famílias mais numerosas deixam de ir à escola, desistem de freqüentá-la, ficam doentes
mais vezes e passam fome com
maior freqüência.
3) Promover igualdade de gênero
e dar mais poder às mulheres.
O direito de escolher quando engravidar é crucial para a autonomia
feminina. Meninas de escolaridade
baixa tendem a casar mais cedo e a
ter mais filhos, criando um ciclo perverso de fertilidade alta e desigualdade sexual.
4) Reduzir a mortalidade infantil.
Uma criança nascida menos de 18
meses depois de um irmão tem índice de mortalidade de duas a quatro
vezes mais alto do que outra nascida
com pelo menos 36 meses de diferença. Se as gestações ocorressem
com pelo menos dois anos de intervalo, estima-se que seriam prevenidas anualmente pelo menos um milhão de mortes infantis.
5) Promover a saúde materna.
A expansão dos serviços de saúde
não consegue acompanhar o crescimento populacional.
O acesso à contracepção reduz a
mortalidade materna, porque reduz
o número de gestações e de abortamentos realizados em condições
precárias.
6) Combater Aids, malária e outras enfermidades.
Crianças nascidas em famílias numerosas correm maior risco de adquirir infecções e doenças parasitárias. A prevenção da gravidez involuntária é o investimento de maior
benefício em relação ao custo para
reduzir a transmissão materno-fetal
do HIV.
7) Garantir o desenvolvimento
sustentável.
Ninguém duvida de que as raízes
da degradação ambiental estejam
nos padrões de consumo dos países
de grande poder econômico. Mas,
também, na necessidade de alimentar uma população que cresce de
forma descontrolada.
O relatório analisado ressalta que
"o crescimento maciço da população durante o século 20 teve mais
impacto na redução da biodiversidade do que qualquer fator isolado".
Dados da ONU demonstram que
diversos países experimentam crescimento demográfico insustentável.
A Nigéria, por exemplo, com 15 milhões de habitantes, poderá chegar
aos 80 milhões em 2050.
Em 1950, Sri Lanka e Afeganistão
tinham o mesmo número de habitantes. Com a adoção de programas
de controle voluntário da fertilidade
pelas autoridades de Sri Lanka, no
entanto, em cem anos o país terá
apenas 25% da população afegã.
E nós, no Brasil, que éramos 90
milhões em 1970 e hoje passamos
dos 180, nós que fechamos os olhos
para o fato de que 73% dos nascimentos acontecem nas classes D e E,
até quando insistiremos na perversidade de negar aos mais pobres
acesso aos métodos anticoncepcionais? Até quando adotaremos essa
postura de avestruzes que colocará
em risco o futuro de nossos filhos?
Texto Anterior: Aos 30 anos, Cisne Negro revê trajetória em coreografias e livro Próximo Texto: Literatura: MAN Booker International anuncia finalistas Índice
|