São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

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MinC derruba veto a turnê de Bethânia

Após comissão barrar projeto de shows da cantora baiana com Omara Portuondo, ela recorreu ao titular do ministério

Recurso ao ministro por quem tem projeto indeferido na Lei Rouanet é alternativa legal; interino Juca Ferreira deu aval para captação de R$ 1,5 mi

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria Bethânia, uma das mais reconhecidas vozes brasileiras, precisa de patrocínio para uma turnê de shows com a também renomada cantora cubana Omara Portuondo?
Não. Foi a resposta da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que analisa os projetos aspirantes ao benefício da Lei Rouanet, pela qual contribuintes podem converter em patrocínio cultural parte do Imposto de Renda devido.
Em reunião no Ministério da Cultura (MinC), em Brasília, nos dias 18 e 19 passados, por seis votos a um, a comissão rejeitou o projeto "Maria Bethânia e Omara Portuondo", que pedia autorização para buscar R$ 1,8 milhão em patrocínio, com o uso da Lei Rouanet.
"O projeto prevê uma receita de bilheteria equivalente ao valor [de patrocínio] pleiteado, o que tornaria desnecessária a utilização de incentivo fiscal na realização do evento", foi o argumento para a rejeição.

Recurso
Autora do projeto, a empresária Kati Almeida Braga, sócia de Bethânia no selo Quitanda Produções Artísticas, que assina a produção de "Maria Bethânia e Omara Portuondo", não se conformou com a decisão da CNIC e recorreu ao gabinete do ministro da Cultura, que decidiu aprovar o projeto, com o valor reduzido para R$ 1,5 milhão.
A turnê "Maria Bethânia e Omara Portuondo" foi um dos 313 projetos avaliados pela CNIC em sua mais recente reunião (leia quadro à dir.), mas talvez seja o que mais bem exemplifique as discussões que giram em torno da Lei Rouanet, alvo tanto de críticos ferozes como de defensores ardentes.
No mês passado, o próprio MinC saiu atirando na "distorção" que a lei provocou no cenário cultural brasileiro, em especial o da produção teatral, setor que reagiu dividido ao diagnóstico do ministério.

Fundo
Ficou claro que o MinC considera a hipótese de prescindir da Lei Rouanet, caso obtenha um fundo com a garantia de recursos equivalentes -R$ 1 bilhão em 2007-, cuja destinação a pasta possa definir.
Roberto Nascimento, secretário de Incentivo e Fomento à Cultura do MinC, que cuida da aplicação da Lei Rouanet e preside a CNIC, diz que "não é verdade que o MinC esteja tentando enfraquecer a Lei Rouanet".
Segundo ele, "todos os esforços estão sendo feitos no sentido de qualificar o volume de recursos que ela movimenta com autorização do ministério".
Embora identifique a necessidade de aperfeiçoar a Lei Rouanet, Nascimento reafirma sua importância. "Estamos falando de uma lei que não é nociva. Apresenta distorções, mas funciona. Cumpriu um papel de fomentar a cultura no país."
Quando se fala em "distorções", o que se discute é, sobretudo, em que medida a lei deve incentivar artistas estabelecidos e/ou os alheios às engrenagens do mercado e até que ponto é legítimo uma produção beneficiada por incentivo fiscal ser destinada a consumidores abastados e ficar inacessível à população de baixa renda.

Ingressos
Os preços dos ingressos do show de Bethânia e Omara Portuondo (de R$ 20 a R$ 160, no Rio; de R$ 60 a R$ 200, em São Paulo) foram determinantes para a negativa do patrocínio decidida na reunião da CNIC.
Além de dizer que a turnê arrecadaria o suficiente para cobrir seus custos, a comissão viu "divergência entre o valor dos ingressos apresentados [no projeto] e os praticados".
Kati Almeida Braga rejeita as duas observações e acha que a CNIC se confundiu na análise das cifras do projeto.
"Fiz as contas. Não podia fazer essa turnê sem patrocínio. São 25 pessoas viajando [para os shows], sendo duas vindas de Cuba; cinco cenários. Mesmo com casa lotada, uma produção desse tipo não se paga", afirma a empresária à Folha.

Correção
Sobre a previsão de faturamento da turnê, ela diz: "Coloquei, na maior correção, quanto estimo ter de bilheteria, o que não é feito normalmente".
Quanto ao valor dos ingressos, Almeida Braga afirma que adotou "preços de mercado no início da turnê, para minimizar prejuízos", já que o projeto, apresentado em 2007 ao MinC, só foi avaliado pela CNIC quando a turnê já havia começado, pelo Rio (7/3 a 16/3), seguindo depois para SP (27/3 e 28/3).
A greve do funcionalismo do MinC no ano passado levou a atraso no processo de aprovação de projetos na Lei Rouanet.
"Não estava dando as contrapartidas [nos shows iniciais], já que não estava patrocinada, nem tinha garantias de que seria", diz Almeida Braga.

Contrapartidas
As contrapartidas são a venda de uma cota de ingressos a preços mais baixos, segundo o critério de "democratização do acesso", exigido para a aprovação de projetos na Lei Rouanet.
Segundo o MinC, no recurso que encaminhou ao ministro após a recusa da CNIC, a Quitanda Produções especificou custos de produção não mencionados anteriormente e exibiu um "plano de venda de 5.370 ingressos variando de R$ 10 a R$ 40". As objeções ao projeto deixaram, assim, de existir.
A possibilidade de autores de projetos indeferidos pela CNIC recorrerem ao ministro da Cultura está prevista na lei 9.874, de 99, e no decreto 5.761/ 2006.
"[O recurso] É uma prerrogativa legítima. Não é uma rotina, mas também não é uma excepcionalidade", diz o secretário Nascimento. O ministério afirma não dispor de dados sobre quantas vezes a prerrogativa já foi usada anteriormente.

Ministro interino
A aprovação à turnê de Bethânia saiu no "Diário Oficial" de 28/3, em portaria assinada pelo ministro interino, Juca Ferreira, que substitui Gilberto Gil no cargo desde o dia anterior (27/3), quando Gil se afastou, por razões particulares.
Depois de aprovado, o projeto obteve R$ 1 milhão em patrocínio do Bicbanco, do Ceará, onde ocorre uma das 11 etapas previstas para a turnê no Brasil.
O show já percorreu três outras capitais, além de Rio e São Paulo -Belo Horizonte (4/4 e 5/4, R$ 60 a R$ 160), Maceió (9/4, R$ 200, a inteira) e Recife (12/4, R$ 150, a inteira).
Segundo Almeida Braga, nessas três cidades foi colocada à venda uma cota de ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia), conforme o combinado com o MinC.
"Como estamos lotando em todas as cidades, graças a Deus, e com o patrocínio que tivemos, ainda que menor do que o que previmos inicialmente, acho que terminaremos a turnê no zero a zero", diz a empresária.
A turnê irá ainda a Brasília, Aracaju, Salvador, Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre. Depois, segue para Argentina e Chile. Os shows no exterior não contam com a Lei Rouanet.


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