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MinC derruba veto a turnê de Bethânia
Após comissão barrar projeto de shows da cantora baiana com Omara Portuondo, ela recorreu ao titular do ministério
Recurso ao ministro por quem tem projeto indeferido na Lei Rouanet é alternativa legal; interino Juca Ferreira deu aval para captação de R$ 1,5 mi
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Maria Bethânia, uma das
mais reconhecidas vozes brasileiras, precisa de patrocínio para uma turnê de shows com a
também renomada cantora cubana Omara Portuondo?
Não. Foi a resposta da Comissão Nacional de Incentivo à
Cultura (CNIC), que analisa os
projetos aspirantes ao benefício da Lei Rouanet, pela qual
contribuintes podem converter em patrocínio cultural parte
do Imposto de Renda devido.
Em reunião no Ministério da
Cultura (MinC), em Brasília,
nos dias 18 e 19 passados, por
seis votos a um, a comissão rejeitou o projeto "Maria Bethânia e Omara Portuondo", que
pedia autorização para buscar
R$ 1,8 milhão em patrocínio,
com o uso da Lei Rouanet.
"O projeto prevê uma receita
de bilheteria equivalente ao valor [de patrocínio] pleiteado, o
que tornaria desnecessária a
utilização de incentivo fiscal na
realização do evento", foi o argumento para a rejeição.
Recurso
Autora do projeto, a empresária Kati Almeida Braga, sócia
de Bethânia no selo Quitanda
Produções Artísticas, que assina a produção de "Maria Bethânia e Omara Portuondo", não
se conformou com a decisão da
CNIC e recorreu ao gabinete do
ministro da Cultura, que decidiu aprovar o projeto, com o valor reduzido para R$ 1,5 milhão.
A turnê "Maria Bethânia e
Omara Portuondo" foi um dos
313 projetos avaliados pela
CNIC em sua mais recente reunião (leia quadro à dir.), mas
talvez seja o que mais bem
exemplifique as discussões que
giram em torno da Lei Rouanet,
alvo tanto de críticos ferozes
como de defensores ardentes.
No mês passado, o próprio
MinC saiu atirando na "distorção" que a lei provocou no cenário cultural brasileiro, em especial o da produção teatral, setor que reagiu dividido ao diagnóstico do ministério.
Fundo
Ficou claro que o MinC considera a hipótese de prescindir
da Lei Rouanet, caso obtenha
um fundo com a garantia de recursos equivalentes -R$ 1 bilhão em 2007-, cuja destinação a pasta possa definir.
Roberto Nascimento, secretário de Incentivo e Fomento à
Cultura do MinC, que cuida da
aplicação da Lei Rouanet e preside a CNIC, diz que "não é verdade que o MinC esteja tentando enfraquecer a Lei Rouanet".
Segundo ele, "todos os esforços estão sendo feitos no sentido de qualificar o volume de recursos que ela movimenta com
autorização do ministério".
Embora identifique a necessidade de aperfeiçoar a Lei
Rouanet, Nascimento reafirma
sua importância. "Estamos falando de uma lei que não é nociva. Apresenta distorções, mas
funciona. Cumpriu um papel
de fomentar a cultura no país."
Quando se fala em "distorções", o que se discute é, sobretudo, em que medida a lei deve
incentivar artistas estabelecidos e/ou os alheios às engrenagens do mercado e até que ponto é legítimo uma produção beneficiada por incentivo fiscal
ser destinada a consumidores
abastados e ficar inacessível à
população de baixa renda.
Ingressos
Os preços dos ingressos do
show de Bethânia e Omara Portuondo (de R$ 20 a R$ 160, no
Rio; de R$ 60 a R$ 200, em São
Paulo) foram determinantes
para a negativa do patrocínio
decidida na reunião da CNIC.
Além de dizer que a turnê arrecadaria o suficiente para cobrir seus custos, a comissão viu
"divergência entre o valor dos
ingressos apresentados [no
projeto] e os praticados".
Kati Almeida Braga rejeita as
duas observações e acha que a
CNIC se confundiu na análise
das cifras do projeto.
"Fiz as contas. Não podia fazer essa turnê sem patrocínio.
São 25 pessoas viajando [para
os shows], sendo duas vindas
de Cuba; cinco cenários. Mesmo com casa lotada, uma produção desse tipo não se paga",
afirma a empresária à Folha.
Correção
Sobre a previsão de faturamento da turnê, ela diz: "Coloquei, na maior correção, quanto estimo ter de bilheteria, o
que não é feito normalmente".
Quanto ao valor dos ingressos, Almeida Braga afirma que
adotou "preços de mercado no
início da turnê, para minimizar
prejuízos", já que o projeto,
apresentado em 2007 ao MinC,
só foi avaliado pela CNIC quando a turnê já havia começado,
pelo Rio (7/3 a 16/3), seguindo
depois para SP (27/3 e 28/3).
A greve do funcionalismo do
MinC no ano passado levou a
atraso no processo de aprovação de projetos na Lei Rouanet.
"Não estava dando as contrapartidas [nos shows iniciais], já
que não estava patrocinada,
nem tinha garantias de que seria", diz Almeida Braga.
Contrapartidas
As contrapartidas são a venda de uma cota de ingressos a
preços mais baixos, segundo o
critério de "democratização do
acesso", exigido para a aprovação de projetos na Lei Rouanet.
Segundo o MinC, no recurso
que encaminhou ao ministro
após a recusa da CNIC, a Quitanda Produções especificou
custos de produção não mencionados anteriormente e exibiu um "plano de venda de
5.370 ingressos variando de R$
10 a R$ 40". As objeções ao projeto deixaram, assim, de existir.
A possibilidade de autores de
projetos indeferidos pela CNIC
recorrerem ao ministro da Cultura está prevista na lei 9.874,
de 99, e no decreto 5.761/ 2006.
"[O recurso] É uma prerrogativa legítima. Não é uma rotina,
mas também não é uma excepcionalidade", diz o secretário
Nascimento. O ministério afirma não dispor de dados sobre
quantas vezes a prerrogativa já
foi usada anteriormente.
Ministro interino
A aprovação à turnê de Bethânia saiu no "Diário Oficial"
de 28/3, em portaria assinada
pelo ministro interino, Juca
Ferreira, que substitui Gilberto
Gil no cargo desde o dia anterior (27/3), quando Gil se afastou, por razões particulares.
Depois de aprovado, o projeto obteve R$ 1 milhão em patrocínio do Bicbanco, do Ceará,
onde ocorre uma das 11 etapas
previstas para a turnê no Brasil.
O show já percorreu três outras capitais, além de Rio e São
Paulo -Belo Horizonte (4/4 e
5/4, R$ 60 a R$ 160), Maceió
(9/4, R$ 200, a inteira) e Recife
(12/4, R$ 150, a inteira).
Segundo Almeida Braga, nessas três cidades foi colocada à
venda uma cota de ingressos a
R$ 20 e R$ 10 (meia), conforme
o combinado com o MinC.
"Como estamos lotando em
todas as cidades, graças a Deus,
e com o patrocínio que tivemos,
ainda que menor do que o que
previmos inicialmente, acho
que terminaremos a turnê no
zero a zero", diz a empresária.
A turnê irá ainda a Brasília,
Aracaju, Salvador, Fortaleza,
Curitiba e Porto Alegre. Depois, segue para Argentina e
Chile. Os shows no exterior não
contam com a Lei Rouanet.
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