São Paulo, terça, 14 de abril de 1998

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Riccelli reencontra o Brasil no cinema

Divulgação
Carlos Alberto Riccelli, protagonista do novo filme de Carlos Reichenbach


INÁCIO ARAUJO
enviado especial a Dois Córregos

"É como se eu tivesse oito anos", diz Carlos Alberto Riccelli sobre a experiência que viveu desde que mudou para Los Angeles com a mulher, Bruna Lombardi, também atriz.
Agora Riccelli volta ao país para fazer em "Dois Córregos" seu primeiro trabalho de grande porte nos últimos quatro anos: o papel de Hermes, o político banido pelo golpe de de Estado de 1964, que retorna clandestinamente ao Brasil em 1969 e tem um encontro com Ana Paula, sua sobrinha adolescente (Vanessa Goulart), e uma amiga dela, Lydia (Luciana Brasil), filha de um general.
Riccelli acentua a opção do casal: Los Angeles. "Eu queria uma coisa bem diferente do que existe aqui." Nova York, segundo o autor, tem suas semelhanças com São Paulo; Los Angeles não tem nada parecido.
"Só em Los Angeles você encontra um monte de atores fazendo cursos, testes, se preparando. A concorrência é enorme, e o sujeito que hoje é um desempregado desconhecido, amanhã é um De Niro", diz.
O que leva um ator com status de estrela no Brasil a enfrentar esse rito de iniciação -que para muitos poderia parecer humilhante- é, segundo Riccelli, "o gosto pela mudança".
Antes, esse ex-aluno da EAD, por onde se formou, já havia morado em Paris. Hoje, tem dois endereços, no Brasil e nos EUA, e divide o tempo entre os dois países.
A divisão o tem impedido de pegar papéis maiores nas novelas (nos últimos anos, fez uma participação especial de cinco capítulos na novela "A Indomada", no ano passado, e a minissérie "Riacho Doce", de 1990). Mas encara com entusiasmo a possibilidade de voltar ao cinema brasileiro.
E com alguma seriedade. "Ser ator é escolher o tempo todo. Há 200 formas diferentes de interpretar um papel. Meu medo é pensar: "Será que a minha escolha foi a melhor?'."
Como preparação para o papel de Hermes em "Dois Córregos", estudou a fundo "A Primeira Noite de Tranquilidade", a obra-prima do italiano Valerio Zurlini. Carlos Reichenbach lhe deu a cópia do filme, com a recomendação de observar o trabalho de Alain Delon.
Riccelli deveria procurar um tom semelhante: é um personagem que interioriza suas dores e exprime seu sofrimento mais pelo que mostra em seu rosto do que pelas atitudes ou palavras.
"Antes de tudo, eu busco no personagem as características mais brutas, mais evidentes, e me fixo nelas. Minha primeira impressão de Hermes, por exemplo, foi de um homem acuado, um bicho do mato. Agora, de repente, vou descobrindo outras coisas nele, como uma sensibilidade muito grande. Eu contraceno muito com as meninas, duas adolescentes. É muito difícil ser duro com elas."
Riccelli tenta levar à sua interpretação a dimensão conflitiva de Hermes: um homem amargurado, que trocou o convívio com a família pela política. "E por que ele fez isso? Porque queria o bem de todos. Isso o dilacera", diz.
Hermes é a ponte masculina em um filme essencialmente feminino. Em um momento da história, ele convive com as duas adolescentes. Num momento posterior, em 1998, ele viverá nas lembranças que Ana Paula, sua sobrinha, reteve daquele encontro.
O filme pode ser visto como esse encontro múltiplo: o homem maduro e as adolescentes, o passado (Hermes) e o futuro (Ana Paula e Lydia), mas também o presente (Ana Paula em 1998) e o passado (sua lembrança de 1969).
Trata-se, em síntese, de uma reflexão sobre as esperanças, opções e limites que a vida impõe a cada pessoa.
Nesse sentido, o papel de Hermes vai ao encontro daquilo que Riccelli busca como ator de cinema: a interpretação mínima.
"O cinema é um não fazer, é um pouco como João Gilberto na música. Aqui no Brasil, como o cinema é uma atividade irregular, às vezes você vê o ator, em cada plano, querer mostrar tudo que sabe. É uma armadilha. É isso que estou tentando evitar", conclui.



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