São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2004

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"VALENTIN"

Garoto míope guia filme argentino

DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Míope e perspicaz, fantasioso e obsessivamente empenhado em resolver os problemas de sua realidade, Valentin transita entre os exercícios domésticos -com os quais ambiciona desenvolver preparo físico para se tornar astronauta- e o desejo de formar, a qualquer custo, uma família tradicional. Tem nove anos.
O filme de Alejandro Agresti que estréia hoje no Brasil foi o candidato da Argentina ao Oscar deste ano. Entende-se: "Valentin", como já sucedia com "O Filho da Noiva" (o indicado do país em 2002), constrói a partir de pinceladas do cotidiano de uma família o retrato de um país numa narrativa em que cabem a crítica social e a fábula, o desalento e o riso, o amargor e a ternura.
Se no filme de Juan José Campanella a iluminação das existências desbotadas de seus personagens se dava em torno do casamento de uma senhora com seu amor da vida inteira, em "Valentin" a felicidade reside no encontro, por um garoto, de uma mãe -não necessariamente a verdadeira.
"Valentin" é um acerto de contas de Agresti com suas memórias. O diretor, também autor do roteiro, projetou no personagem interpretado por Rodrigo Noya as angústias que viveu há quatro décadas, entre uma rotina simples, com a avó (Carmen Maura), as visitas esporádicas de um pai irritadiço (vivido pelo próprio Agresti) e a ausência da mãe, que abandonou a família (ou foi expulsa?).
Aspectos emblemáticos da sociedade argentina dos anos 60 surgem de episódios da vida de Valentin. A ascensão do rock e o assassinato de Che Guevara são alguns elementos do imaginário do garoto e sobre os quais guarda opiniões muito particulares.
O pequeno ator é um achado e já consta da próxima produção de Agresti, "La Vergüenza".
Aqui, arranca cumplicidade e convence como um frágil dom Quixote, de andar trôpego pelos óculos fundo-de-garrafa e pelo peso de suas aflições e da mochila da escola. Não se trata de um adulto miniaturizado, e sim de uma criança amadurecida pela estranha infância que lhe coube. Esse é o maior mérito de Valentin, o personagem, o ator e o filme.


Valentin
Idem
   
Direção: Alejandro Agresti
Produção: Argentina/Holanda, 2002
Com: Carmen Maura, Rodrigo Noya
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Lumière e Top Cine



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