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CRÍTICA CONTOS
Estilo de "Jogos de Azar" se destaca ante crítica política
Neorrealismo urbano de José Cardoso Pires incorpora jargão malandro
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
José Cardoso Pires (1925-1998), escritor, jornalista e
ativista político antissalazarista, é autor célebre em Portugal. No Brasil, teve o destino comum dos autores portugueses contemporâneos.
Dir-se-ia que as aves que
aqui gorjeiam e as que gorjeiam por lá não costumam
permutar os pátrios galhos.
Há exceções, como José
Saramago e António Lobo
Antunes -este último sabidamente protegido de Cardoso Pires. Já hoje, para apresentar o mestre, tem-se de falar do discípulo.
"Jogos de Azar" (1963) é
uma coletânea de contos extraída de seus dois primeiros
livros: "Os Caminheiros e Outros Contos" (1949) e "Histórias de Amor" (1952).
São nove "histórias de desocupados", isto é, narrativas tipológicas de perdedores, "pequenos falhados" e
"condenados a tropeços" por
efeito dos "caprichos" de governantes que lhes retiram
"autoridade cívica" e os deixam sem meios objetivos de
"exercício das capacidades
do homem".
A cartilha é antiga sem
desfigurar os contos. Falam
de um comboio em que vão
três presos e seus sete guardas, entretidos em trocar gabolices e ocultar temores.
Descrevem o serão no qual
o pai violento e beberrão chega tarde e agride o filho aproveitador, ambos vivendo à
custa das mulheres da casa,
com a saúde já perdida na
costura para fora e na lida doméstica.
A caminhada ao sol de
dois homens, sendo que um
deles, cego e violeiro, mal sabe que está sendo levado para venda no negócio da mendicância; o marido que lê um
romance de amor na cama,
enquanto a mulher reclama
de coisas práticas e da falta
de conversa entre eles.
Há ainda o caso do negro
que leva três homens para se
aproveitar da menina de 15
anos que se entrega a ele; o
relato de um acidente de trabalho na construção de uma
rodovia, que suspende por
alguns instantes as preocupações de um operário com a
mulher em vias de dar à luz.
O encontro dos amantes
num hotel, no qual a mulher
se diz habituada a viver de
ódio e de pena; as horas tensas passadas entre a sogra
que reza e a nora que espera a
hora do parto, enquanto o
atraso do futuro pai faz lembrar as recentes prisões de
operários em greve.
NEORREALISMO
Enfim, há um conto mais
longo sobre uma jovem prostituta, precocemente morta,
que mastigava fósforos e era
mordida pela avó cega.
Não é preciso dizer mais
para que se perceba por que
Cardoso Pires é dado como
autor do "neorrealismo" português. Seus autores se reconheciam em torno do valor
da denúncia social e política,
baseado num modelo de representação realista.
A Cardoso Pires, porém,
não raro lhe percebem rasgos
surrealistas, como despontam no caso da rapariga dos
fósforos.
Lendo agora os contos,
nem vem isso especialmente
ao caso, nem ressalta a mensagem política. O melhor que
apresenta são as credenciais
do estilista, que não raro incorporam o jargão malandro
da cidade. Talvez seja o primeiro neorrealista urbano,
mas não há dúvida de que é
escritor íntimo do seu instrumento.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria
literária na Unicamp.
JOGOS DE AZAR
AUTOR José Cardoso Pires
EDITORA Bertrand
QUANTO R$ 29 (240 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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