São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 2005

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TELEVISÃO

Seriados e longas-metragens independentes buscam identificação com o público criando heróis entre fracassados

Perdedores conquistam sucesso em novas produções

CARYN JAMES
DO "NEW YORK TIMES"

Será que os Estados Unidos estão, enfim, preparados para abraçar o perdedor que existe lá dentro? De Benjamin Franklin a Horatio Alger, chegando a "American Idol" e "O Aprendiz", a história de sucesso em formato da lama à fama tem sido um mito essencial na cultura do país.
Mas agora a mais audaciosa heroína da TV é Lisa Kudrow no papel de uma atriz em busca desesperada pelo estrelato perdido em "The Comeback" (o retorno), novo seriado da HBO. O programa ecoa, sem que obtenha qualidade semelhante, à tragicomédia da série britânica "The Office", sobre um irritante executivo de médio escalão que não tem para onde ir a não ser para baixo.
Um dos sucessos mais surpreendentes entre os filmes cult do ano passado foi "Napoleon Dynamite", a história de um bundão na escola secundária que ignora completamente a sua condição de perdedor. E uma variante do tema aplicado à meia-idade está nas telas agora em "Second Best", um filme independente estrelado por Joe Pantoliano como um sujeito que se anima tanto com o fracasso que publica um boletim para perdedores, colando exemplares nos postes da cidade e operando um site.
Na companhia de "Fat Actress", série estrelada por Kirstie Alley, e da versão norte-americana de "The Office", esses trabalhos criaram um momento em que ser um perdedor parece elegante e em que se admitem heróis sem a menor chance de vencer.
Quando essa elegância dos perdedores funciona, como no caso de "The Comeback" e do "The Office" original, os personagens não são patéticos, mas pungentes e dignos de afeição, pessoas que se esforçam perpetuamente para conquistar nosso respeito. Esses heróis oferecem alguma folga à imagem de perfeição que pode parecer como um ataque da mídia às pessoas comuns.
Como aponta Scott A. Sandage em seu livro "Born Losers: A History of Failure in America" (nascidos perdedores: uma história do fracasso nos Estados Unidos), o significado da palavra "fracasso" evoluiu desde o começo do século 19, quando ela se referia apenas a perdas em uma empreitada comercial. Gradualmente, ser um perdedor passou a sugerir igualmente uma falha de caráter, a falta do ímpeto de aperfeiçoamento que o prestígio recente da condição de perdedor desmistifica.
O perdedor atingiu a glória, em termos humorísticos, com o personagem do vagabundo criado por Charlie Chaplin. Mas, além de atacar a idéia de que os fracassados merecem os problemas que sofrem, as comédias atuais parecem se voltar também contra a idéia de que fama equivale a sucesso; quase todos os fracassados recentes das telas exibem ambições no ramo do entretenimento.
Em "The Comeback", Kudrow (Valerie) perde o posto de "gostosa" em um novo seriado e é escalada para viver a vizinha feiosa. Mas a atriz continua a se comportar como a diva que acredita ser. O desempenho elegantemente balanceado de Kudrow traz uma teimosia que não é gerida pelo ego, mas por uma afirmação de que Valerie importa pelo menos tanto quanto as novas estrelinhas burraldas do pedaço. O defeito trágico dela é a sua incapacidade de se distanciar de seu sucesso no mundo do entretenimento.
O desafio na criação de heróis perdedores é manter o envolvimento dos telespectadores e tornar palatável os fracassos um tanto repelentes dos personagens. E é nesse ponto que o humor eleva ou condena uma produção.
Em "The Comeback", a idiotice do mundo dos seriados cômicos é exposta em detalhes devastadores. Em ambas as versões de "The Office", as inanidades do local de trabalho são capturadas de maneira mordaz, no tédio mortal dos funcionários e em sua descrença inerte diante da atitude sempre otimista do chefe.
O perdedor simpático é incorporado em sua melhor forma por Bill Murray como o ator decadente em "Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola, e o oceanógrafo de uma série de documentários televisivos (sim, até o oceanógrafo é um astro da mídia) em "A Vida Marinha com Steve Zissou", de Wes Anderson.
A inteligência do roteiro, a tolice de Zissou com seu boné vermelho da equipe Zissou e o impecável equilíbrio entre comédia e tristeza oferecido por Murray é que seguram o filme. Se essa maestria não está presente, o perdedor é apenas um fanfarrão desagradável.
Em "Second Best", Pantoliano interpreta um ex-executivo do setor editorial que se cerca de muitos amigos perdedores e um bem-sucedido, um produtor de Hollywood em visita (mais mídia).
Mas os epigramas dos perdedores não são tão sarcásticos ou sábios quando o filme pretende -"o maior dos perdedores põe tudo para fora" captura o nível de texto-, e assim a premissa do filme é mais interessante do que o resultado final. E a versão fictícia de Kirstie Alley para ela mesma em "Fat Actress" era resmungona e estridente demais para funcionar bem durante toda a série.

O pior e o melhor
A maneira mais astuciosa de transformar um perdedor em personagem de sucesso de audiência ou bilheteria é percorrer a mais perigosa das cordas bambas e permitir que os telespectadores tenham o pior e o melhor no mesmo pacote.
"Napoleon Dynamite" e "American Idol" prosperaram ao apresentar personagens com os quais as audiências podem se identificar ou tomar como alvo de zombaria. (E a escolha pode ser um segredinho pessoal de cada um.)
Muitos telespectadores são viciados na fase de testes iniciais de "American Idol", quando os piores se apresentam. William Hung chegou a encontrar espaço para sua falta incomparável de talento em um CD. Os rejeitados de "American Idol" e "Napoleon", excessivamente confiante e socialmente desajustado, formam um padrão: perdedores que insistem em ser o que são.
A mensagem reconfortante é que perder pode ter sua graça. Mas existe outra mensagem. Alley reverteu a decadência de sua carreira ao interpretar uma perdedora e, não importa o que aconteça com "The Comeback", Kudrow ainda tem o sucesso de "Friends". O perdedor como herói pode ser reconfortante, mas não esqueçamos que se trata de ficção.


Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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