São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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Shakespeare nas sombras

Japoneses e colombianos mostram versões do dramaturgo em São José do Rio Preto

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Do lado oriental do planeta, vem uma das tragédias mais montadas de Shakespeare, "Hamlet". Do lado ocidental, desponta um dos textos menos conhecidos do dramaturgo inglês, "Titus Andronicus". Ambos convergem para o Brasil.
São releituras que despertam curiosidade entre os espetáculos da primeira semana do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que começa amanhã e segue até o dia 25 na cidade do interior paulista.
Com sede em Tóquio, o grupo T Factory toma como base o "Hamlet" original, do século 16, e estabelece uma fusão com o "Hamlet-Machine", do alemão Heiner Müller, de 1977.
O diretor Takeshi Kawamura faz essa ponte para reconsiderar aspectos da sociedade japonesa contemporânea, na qual as referências visuais e tecnológicas são determinantes.
Na adaptação, um rapaz morador de Tóquio decide desempenhar o papel de Hamlet e designa membros de sua família para contracenar. São 13 atores. Para Kawamura, esse homem que busca vingar a morte do pai, tramada pelo tio ora casado com sua mãe, remete a rupturas familiares que colocam em xeque as tradições de seu país atual.
Uma bicicleta, tacos de beisebol, cadeira de rodas e grades de ferro que sugerem uma prisão fazem parte da lista de material cenográfico que o T Factory pediu à produção do festival. A cenografia é de Tsukasa Nakagoshi. "Eu considero recursos tecnológicos, efeitos de luz e som, por exemplo, como extensão do corpo", diz Kawamura, 44.
A dança (coreografias de Yoko Iida) e a música (composições de Eiji Sugiura) são outros elementos fundamentais para o painel crítico e social que o encenador pretende estabelecer a partir do clássico shakespeariano. Não é à toa que boa parte das cenas de "Hamlet Clone" acontece sob penumbra.
"Reflexo da violência explicitada no texto, violências moral e física", diz o diretor. A montagem estreou em 2000, após um ano de pesquisa. É a primeira vez que o grupo de Kawamura se apresenta na América do Sul. Ela nada conhece sobre o teatro brasileiro. Além de Rio Preto, está programada uma única sessão de "Hamlet Clone" no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no dia 21/7.
O grupo nasceu como Daisan Erotica, em 1980, e mudou de nome em 2002. T Factory é uma referência à "fábrica teatral" de Takeshi Kawamura.
Já o grupo Petra, criado em 1985 na Colômbia, participou em maio do Festival Internacional de Teatro de Londrina com "Mosca" e volta ao país com sua versão de "Titus Andronicus" (1592).
A obra de Shakespeare expõe uma trégua entre duas famílias depois da guerra. Antes desse pacto, porém, sucedem mais raptos, violações, torturas, mutilações, traições, assassinatos. Numa das passagens, cabeças são servida à mesa do general Titus.
Na sua adaptação, o diretor e ator Fabio Rubiano Orjuela trata o horror com paródia. A intenção é "banalizar as atrocidades com o desejo irônico que ridiculariza os protagonistas da história".
Essa linha sugere aproximação com a montagem paulista que o diretor Márcio Tadeu e o grupo Benditos Malditos levam ao teatro Arthur Azevedo, na Mooca: "TITU.S. - Persona non Grata".
A terceira e derradeira atração estrangeira do festival é o solo americano "Clothes, Calls and Cunning Stunts" (algo como Roupas, Telefonemas e Manobras Astutas), com a performer Pat Oleszko, que costuma desenvolver uma dramaturgia com registros autobiográficos: fala de si, invariavelmente, para chegar ao outro por meio de linguagens como a arte da rua, as festas populares e até museus de arte.


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